Mostra Tiradentes abre calendário audiovisual com a temática “Corpos Adiante” e homenagem à diretora mineira. Veja os filmes selecionados e as oficinas previstas
O corpo como potência, pendor político e social, presença, infinitude. A celebração do corpo – em todas as suas possibilidades de expressão e enunciação – estará no centro da programação da 22a Mostra de Cinema de Tiradentes.
O evento, que abre o calendário audiovisual brasileiro, será entre 18 e 26 de janeiro de 2019 na cidade histórica mineira. Serão nove dias de programação intensa e gratuita, que inclui exibições de filmes brasileiros em pré-estreias, debates, performances, atrações artísticas, lançamentos de livros e o maior encontro anual entre cinéfilos, críticos, jornalistas, realizadores, professores e pesquisadores.
A definição da temática “Corpos Adiante” como mote partiu do desejo de valorizar a presença física, tanto no interior de uma sala de cinema quanto no espaço público e também como projeção do futuro. “O adiante é logo ali”, define Cleber Eduardo, coordenador curatorial da Mostra. “São corpos do presente, com suas dores de várias naturezas e opressões, corpos resistentes em seus lugares, persistentes em seus desejos, pacientes em suas lutas de afirmação, entre conflitos e atritos, ritos e mitos”.
A curadoria buscou encontrar tanto nas representações estéticas do audiovisual quanto nos acontecimentos recentes do noticiário brasileiro e mundial as relações possíveis entre corpos que ocupam os espaços que o tempo contemporâneo lhes oferece e, muitas vezes, tenta lhes atribuir. “Antes do corpo no cinema, o corpo está em todo lugar, primeiro como matéria de carne, ossos, sangue, pele, cérebro e músculos, capacidades sensoriais, intelectuais e emocionais, aparência e superfície. Depois vem o corpo como sujeito, agente, escolha existencial”, define Cleber Eduardo.
Ele partiu desses conceitos para chegar à arte como exaltadora do corpo – no que a Mostra vai reforçar em 2019, ao propor discutir estas questões não apenas dentro do cinema e das imagens em movimento, mas também através de outras manifestações, como as artes visuais, o teatro e a performance. “Vamos pensar sobre o corpo como campo de batalha do capital, da ciência, dos estudos genéticos e da neurociência, mas também como espaço de disputa na política, nas questões de representatividade étnica/racial, nas discussões de gênero e de sua fluidez, nos tensos deslocamentos de populações entre fronteiras de países”.
Por conta dessa intersecção fundamental – e essencial, pois é a base de praticamente toda a arte que depende do esforço humano desde o princípio dos tempos –, a escolha da homenageada deste ano se relaciona diretamente à temática dos “Corpos Adiante”. Trata-se da atriz e dramaturga mineira Grace Passô, um dos nomes mais incensados das artes brasileiras nos últimos anos e que se tornou referência tanto no teatro quanto, ainda recente, no cinema.
Para Cleber Eduardo, a importância de Grace Passô está justamente na força de sua presença, tanto física quanto simbólica. “Grace é uma atriz bastante física e se relaciona fortemente à temática deste ano. Um corpo que não é prescrito pelas convenções do que deve estar no protagonismo das imagens, e isso serve como um sentido político na nossa escolha. Ela é um só corpo, mas também muitos, muitas mulheres, todas com sua marca distinguível, cada uma única em si”, exalta o coordenador curatorial. “Grace é uma criadora, sob todos os aspectos. Ao vestir o interior e o exterior de outras mulheres em seu corpo, ela inventa vidas, presenças, modos de falar, de caminhar, de respirar, de olhar e de existir”.
Grace Passô foi uma das fundadoras do Grupo Espanca!, em Belo Horizonte e no qual encenou peças como Amores Surdos, Por Elise e Congresso Internacional do Medo, que deram projeção nacional ao coletivo. Seguiu carreira tanto como atriz quanto como encenadora. Entre seus trabalhos de destaque nos palcos estão Contrações (Grupo 3), Krum e Preto (ambas da Cia Brasileira de Teatro). Com o solo Vaga Carne, vem ganhando diversos prêmios desde 2017, no que firmou ainda mais seu nome e talento na dramaturgia brasileira.
Grace começou a aparecer no cinema recentemente e já é destaque com premiações nacionais e internacionais. No filme Praça Paris (direção Lúcia Murat), pelo qual ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival do Rio de 2017; e no mais recente trabalho, o longa Temporada (André Novais Oliveira), pelo qual recebeu o Troféu Candango de Melhor Atriz no 51º Festival de Brasília e o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Turim, na Itália. Com trajetória ascendente ela estará também atuando no próximo filme dos cineastas Gabriel e Maurílio Martins, No Coração do Mundo, e também em novo projeto do diretor Cristiano Burlan.
“Ela ainda apareceu pouco no cinema, e nesse pouco se destacou muito e está com vários outros filmes a fazer. Num tempo em que muita gente não vê futuro adiante, decidimos apontar algum futuro pelo que ainda virá dessa atriz, com isso disseminando um caminho em construção. A aproximação com o teatro foi fundamental na escolha da temática e da Grace como homenageada”, destaca Cleber Eduardo.
Filmes selecionados para a Mostra Aurora
A Rosa Azul de Novalis (SP), de Gustavo Vinagre e Rodrigo Carneiro; A Rainha Nzinga Chegou (MG), de Junia Torres e Isabel Casimira Gasparino; Tremor Iê (CE), de Elena Meirelles e Lívia de Paiva; Seus Ossos e Seus Olhos (SP), de Caetano Gotardo; Vermelha (GO), de Getúlio Ribeiro; Desvio (PB), de Arthur Lins; e Um Filme de Verão (RJ), de Jô Serfaty. Os sete longas serão avaliados pelo Júri da Crítica, formado por cinco profissionais da reflexão de cinema e que este ano contará com duas presenças internacionais.
Curtas selecionados
A curadoria de curtas-metragens desta edição foi de Pedro Maciel Guimarães, Camila Vieira e Tatiana Carvalho Costa, que assistiram a centenas de filmes durante o processo de seleção. Os títulos vêm de Minas Gerais (21), São Paulo (17), Rio de Janeiro (9), Bahia (6), Goiás (5), Pernambuco (5), Ceará (3), Paraná (3), Distrito Federal (2), Paraíba (2), Rio Grande do Norte (1), Rio Grande do Sul (1), Amazonas (1) e Mato Grosso (1). Os filmes estarão distribuídos em dez seções segmentadas dentro da grade de programação: Foco, Foco Minas, Panorama, Corpos Adiante, Formação, Jovem, Regional, Praça, Valores e Mostrinha.
Oficinas
A principal novidade deste ano é a interação com as novas tecnologias da área, especialmente os smartphones. Oficinas como “Documentários em Vídeo Digital” (para o público adulto), “Cinelabeduca” e “Animando Gente com Pixilation” (ambas para o público infantojuvenil) serão oferecidas pela primeira vez.
Integram também o Programa oficinas que atendem à demanda por profissionalização nas práticas tradicionais do fazer audiovisual. “Direção para Cinema”, ministrada pelo cineasta Luiz Carlos Lacerda, o “Bigode”, vai focar nas noções básicas da mise-en-scène cinematográfica – desde o roteiro e sua decupagem técnica, à construção da linguagem por meio da utilização dramatúrgica das lentes, e o processo de realização. Completam a tríade audiovisual “Prática de Roteiro para Cinema”, em que a instrutora Renata Mizrahi irá apresentar as várias etapas de desenvolvimento do script; e “Produção para Cinema”, ministrada por Alessandra Haro, que vai proporcionar o aperfeiçoamento dos conhecimentos na área.
Selecionados para a Mostra Olhos Livres
Com curadoria de Lila Foster e Victor Guimarães e coordenação de Cléber Eduardo, a seleção deste ano inclui os seguintes filmes: Tragam-me a cabeça de Carmen M. (RJ), de Felipe Bragança e Catarina Wallenstein; Superpina: Gostoso é Quando a Gente Faz! (RE), de Jean Santos; Trágicas (RJ), de Aída Marques; Currais (CE), de David Aguiar e Sabina Colares; Parque Oeste (GO), de Fabiana Assis; e Calypso (RJ), de Rodrigo Lima e Lucas Parente.