Longa produzido por Rodrigo Teixeira segue forte em sua carreira no exterior com mais um prêmio
No intervalo de pouco mais de um mês, o longa-metragem A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, de Karim Aïnouz, acaba de levar outro importante prêmio internacional. Após a conquista do Grand Prix de Melhor Filme na mostra Un Certain Regard de Cannes – a primeira vez que umfilme brasileiro recebeu o prêmio máximo na categoria – no fim de maio deste ano, o projeto foi contemplado nesta sexta-feira com o também inédito CineCoPro Award no Filmfest München (o segundo festival de cinema mais prestigiado da Alemanha depois da Berlinale), que confere à melhor coprodução local com países estrangeiros uma bonificação no valor de 100 mil euros.
Em cartaz no circuito comercial a partir do dia 31 de outubro de 2019, A Vida Invisível de Eurídice Gusmão é uma produção da RT Features, de Rodrigo Teixeira, em coprodução com a alemã Pola Pandora, braço de produção da The Match Factory, de Michael Weber e Viola Fügen, além da Sony Pictures Brasil, Canal Brasil e Naymar (infraestrutura audiovisual), e conta com o financiamento do fundo alemão Medienboard Berlin Brandenburg e do Fundo Setorial do Audiovisual/Ancine.
No longa, Karim repete a parceria de sucesso com a produtora alemã – iniciada em com ‘Praia do Futuro’ (2014) –, numa colaboração a longo prazo que inclui um novo projeto, ainda confidencial, já em desenvolvimento.
“É o coroamento de uma colaboração de muitos anos com a Pola Pandora e The Match Factory, que participaram do projeto desde o desenvolvimento do roteiro, em parceria com a RT Features. Ao mesmo tempo, é fruto da política de investimento do governo brasileiro no cinema nacional nos últimos anos. Este tipo de premiação estreita os nossos laços de colaboração com os alemães e gera uma renovação do cinema deles, além de garantir um filme com potência e vitalidade em sua carreira internacional, provando a sua universalidade”, comemora o diretor.
“Nesses anos todos em que venho trabalhando com o mercado internacional sempre percebi o valor criativo que cooperaçoes entre talentos de diferentes pais trazem aos projetos. Os filmes nascem universais. E aos poucos na RT começamos a investir em projetos de coproducoes oficiais, primeiro do Brasil com Argentina, Uruguai e depois Chile. E agora com o filme do Karim fizemos a primeira coprodução com a Alemanha dividindo a nacionalidade. E receber esse prêmio do Festival de Munique me faz ainda mais acreditar que o caminho para a produção é global e isso também passa pelo cinema brasileiro”, completa Rodrigo Teixeira.
Além de Cannes e Munique, o filme esteve nas seleções oficiais dos festivais de Sydney, do Midnight Sun, na Finlândia, e de Karlovy Vary, na República Tcheca, e será exibido no Transatlantyk Festival, na Polônia, e no Festival de Cinema da Nova Zelândia. E nas próximas semanas novos anúncios virão.
Livre adaptação do romance homônimo de Martha Batalha, o longa já recebeu elogios de algumas das mais prestigiosas publicações do segmento de cinema no mundo. Segundo David Rooney, do The Hollywood Reporter – que relacionou o filme entre os 10 melhores do Festival de Cannes –, “‘A Vida Invisível de Eurídice Gusmão’ é um drama assombroso que celebra a resiliência das mulheres, mesmo quando elas toleramexistências combalidas”. O crítico ainda chamou a atenção para as texturas brilhantes, as cores ousadas e os sons exuberantes que servem para“intensificar a intimidade do deslumbrante melodrama de Karim Aïnouz sobre mulheres cujas mentalidades independentes permanecem inalteradas, mesmo quando seus sonhos são destruídos por uma sociedade patriarcal sufocante”.
Já para Lee Marshall, do Screen Daily, que também elegeu ‘A Vida Invisível de Eurídice Gusmão’ como um dos filmes imperdíveis do festival, Karim prova que o “eletrizante e emocionante” filme de época pode ser apresentado de forma verdadeira e ao mesmo tempo ser um deleite. “Com a forte reação crítica e o boca-a-boca que essa contundente e bem-acabada saga familiar parece suscitar, é quase certo que o filme viaje para além do Brasil e dos territórios de língua portuguesa”, prevê o crítico, que adverte: “É melhor você deixar um lenço separado para as cenas finais”.
O jornalista Guy Lodge, da Variety, por sua vez, afirma que o longa-metragem pode ser considerado“um forte concorrente do Brasil na corrida ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro”.
Sobre o filme
Definido pelo cineasta como um melodrama tropical, a obra apresenta nos papeis principais duas jovens estreantes no cinema. Tanto Carol Duarte, reconhecida por seu trabalho na TV aberta, como Julia Stockler, experiente atriz de teatro, foram escolhidas após participarem de um concorrido teste com mais de 300 candidatas. O elenco traz ainda Fernanda Montenegro, como atriz convidada, Gregorio Duvivier, Bárbara Santos, Flavio Bauraqui e Maria Manoella.
“Eu trabalhei com um maravilhoso grupo de atrizes e atores. Eles são todos muito diferentes, de diferentes gerações, diferentes registros de atuação – e o desafio foi alcançar o mesmo tom, a mesma vibração”, conta o diretor.
“Eu fiquei profundamente tocado quando eu li o livro. Disparou memórias intensas da minha vida. Eu fui criado no nordeste dos anos 60, numa sociedade machista e conservadora, dentro de uma família matriarcal. Os homens ou haviam indo embora ou eram ausentes. Numa cultura patriarcal, eu tive a oportunidade de crescer numa família onde as mulheres comandavam o espetáculo – elas eram as protagonistas”, recorda Aïnouz. “O que me levou a adaptar ‘A Vida Invisível de Eurídice Gusmão’ foi o desejo de dar visibilidade a tantas vidas invisíveis, como as da mulheres da geração da minha mãe, minha avó, das minhas tias e de tantas outras mulheres dessa época. As histórias dessas personagens não foram contadas o suficiente, seja em romances, livros de história ou no cinema”, completa.
Segundo o diretor, trata-se de um melodrama tropical porque a abordagem mistura preceitos clássicos do gênero, mas com um olhar que busca se adaptar a uma contemporaneidade brasileira.
“Eu sempre quis fazer um melodrama que pudesse ser relevante para os nossos tempos. Como eu poderia me engajar com o gênero e ainda torná-lo contemporâneo e brasileiro? Como eu poderia criar um filme que fosse emocionante como uma grande ópera, em cores florescentes e saturadas, maior que a vida? Eu me lembrava de Janete Clair e das novelas lá do início. Eu queria fazer um melodrama tropical filmado no Rio de Janeiro, uma cidade entre a urbis e a floresta”, pondera.
A colaboração de Rodrigo Teixeira com Karim começou nas origens do projeto. Ao receber o manuscrito de Martha Batalha, o produtor pensou imediatamente no diretor, não apenas pelo estilo de sua filmografia, mas também pela interseção entre o livro e a história familiar do diretor, onde observou a invisibilidade das mulheres conduzidas por uma geração machista.
“Quando eu li o livro eu pensei muito no Karim, tanto pela narrativa ter relação com a história pessoal de vida dele, especificamente com o momento que ele estava vivendo naquela época, e também porque o universo me remetia muito a dois filmes dele: ‘O Céu de Suely’ e ‘Seams’, o primeiro de sua carreira, ambos projetos que falam de mulheres fortes, que lutam para sobreviver na nossa sociedade”, explica Teixeira. “Além disso, há tempos Karim me dizia que gostaria de filmar um melodrama, que queria realizar um longa que se aproximasse de Fassbinder, de Sirk. E vi nessa história da Martha Batalha um potencial melodrama a ser adaptado. Eu e Karim colaboramos há mais de 15 anos e fazia tempo que estávamos buscando uma grande história para voltarmos a fazer outro filme juntos”, continua o produtor.
As irmãs Guida e Eurídice são como duas faces da mesma moeda – irmãs apaixonadas, cúmplices, inseparáveis. Eurídice, a mais nova, é uma pianista prodígio, enquanto Guida, romântica e cheia de vida, sonha em se casar com um prínicpe encantado e ter uma família. Um dia, com 18 anos, Guida foge de casa com o namorado. Ao retornar grávida, seis meses depois e sozinha, o pai, um português conservador, a expulsa de casa de maneira cruel. Guida e Eurídice são separadas para sempre e passam suas vidas tentando se reencontrar, como se somente juntas fossem capazes de seguir em frente. Com roteiro assinado por Murilo Hauser, em colaboração com a uruguaia Inés Bortagaray e o próprio diretor, o longa – ambientado majoritariamente na década de 50 – foi rodado no Rio de Janeiro, nos bairros da Tijuca, Santa Teresa, Estácio e São Cristóvão.A direção de fotografia é da francesa Hélène Louvart, que assina seu primeiro longa brasileiro e acumula trabalhos importantes na carreira, como os filmes ‘Pina’, de Wim Wenders; ‘The Smell of Us’, de Larry Clark; ‘As Praias de Agnes’, de Agnès Varda; e ‘Lázaro Feliz’, de Alice Rohwacher, entre outros. A alemã Heike Parplies, responsável pela edição do longa-metragem ‘Toni Erdmann’, da diretora Maren Ade, indicada ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, assina a montagem.
A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, é uma coprodução entre Brasil (Sony Pictures e Canal Brasil) e Alemanha (Pola Pandora), na qual a empresa alemã The Match Factory é responsável pelas vendas internacionais.