III Fórum Mostra: o cinema brasileiro em toda sua força, luta e política
O III Fórum Mostra foi realizado entre 23 e 25 de outubro no Itaú Cultural em São Paulo, ainda no meio da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que terminará em 30 de outubro. A proposta do Fórum foi debater o hoje e o amanhã do mercado audiovisual de maneira plural, coletiva, unindo estudiosos, produtores, artistas e muitos outros nomes para conversarem sobre o setor.
23 de outubro
No primeiro dia, o tema geral dos debates foi “Política e Cinema” com três mesas que apontaram onde o setor está, bem como suas forças e fraquezas.
Tanto Ricardo Rihan, secretário do Audiovisual, quanto o advogado Marcos Bitelli questionaram a viabilidade e efetividade das cotas existentes para conteúdo nacional. Para Rihan, não faz mais sentido ter cotas em canais pagos com programação já pré-programada, enquanto para Bitelli o consumidor que escolherá o conteúdo nacional se assim o quiser. Já João Brant, mestre em Regulação de Comunicação, acredita que a existência das cotas não atrapalha a produção, mas a extinção dessas cotas poderia representar um entrave para o crescimento do setor no País.
“O cinema brasileiro é muito fraco e é muito forte ao mesmo tempo, é uma gangorra”, comentou o cineasta Luiz Carlos Barreto ao apontar a diversidade de situações existentes no mercado audiovisual brasileiro. Já o professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) Arthur Autran se posicionou de maneira mais dura, afirmando que é impossível o setor se desenvolver se o fomento público parar. Para ele, a ameaça do Governo Federal à ANCINE é uma ameaça ao setor audiovisual. Além disso, Luiz Gonzaga de Luca, presidente da Rede Cinépolis, afirmou que a relação entre o público e o cinema nacional é muito frágil, ainda dependendo das cotas de exibição para futuramente se firmar.
Por outro lado, observando as forças do cinema brasileiro, as convidadas Laís Bodanzky, cineasta e diretora-presidente da Spcine; Mariza Leão, fundadora da Morena Filmes; e Talita Arruda, diretora da Sessão Vitrine, exaltaram o fato de o Brasil ter um volume grande de produções sendo premiadas e exibidas em festivais internacionais. “É uma contradição que, justamente nesse ano, a gente não tenha o reconhecimento por parte do nosso presidente, e a compreensão da importância da cultura. A gente está em um descompasso absurdo, não é porque um filme não tem bilheteria que ele não é bom”, comentou Laís Bodanzky, para quem o cinema nacional ainda não tem o devido espaço de divulgação.
24 de outubro
O cinema fora da sala escura e dentro da tecnologia, bem como as múltiplas linguagens disponíveis para o audiovisual foram tema do segundo dia de debates do III Fórum Mostra.
De acordo com Fernando Grostein, cineasta e fundador da Spray Filmes, “o cinema brasileiro perdeu muito tempo por ficar com o nariz empinado e negar o que é comercial, o que é para o público”. Para ele, o cinema nacional precisa estar aberto ao conhecimento interno e externo, bem como aos novos estilos de se fazer conteúdo audiovisual. Josephine Bourgois, diretora do Projeto Paradiso, concordou com o cineasta ao afirmar que é preciso que o conteúdo seja relevante para quem o fez, seu público e para a audiência externa, para que seja capaz de se distinguir e se sobressair no meio de tantos conteúdos.
As ideias da primeira mesa de debates se complementaram na segunda mesa na fala do diretor de animação Ale McHaddo: “Um projeto nunca nasce pensado em uma tela só. A pessoa deve poder escolher em que plataforma irá consumir o conteúdo e ter uma grande experiência sensorial em todas elas”, afirmou. Falando em plataformas, outro participante do debate, o produtor Ricardo Laganaro ressaltou a realidade virtual como formato crescente e com enorme potencial narrativo e atrativo para o público. Apesar das grandes possibilidades, as dificuldades do audiovisual brasileiro como indústria ainda se mostram como entraves ou oportunidades escondidas para o setor – permeando também todos os debates da Mostra. Para o diretor Belisario Franca, por exemplo, os filmes nacionais precisam de alternativas distintas de distribuição, bem como de campanhas de incentivo para conquistar o público, indo muito além do cinema tradicional.
25 de outubro
Por fim, o último dia do III Fórum Mostra se dedicou a debater a relação íntima entre cinema e literatura. Segundo pesquisa realizada em 2018 pela Publishers Association do Reino Unido, foi revelado que filmes baseados em livros obtêm, geralmente, uma receita 53% maior quando comparados a filmes feitos a partir de roteiros originais ou peças de teatro, bem como costumam ter uma crítica mais positiva da imprensa especializada.
Tanto a roteirista Ana Luiza Azevedo quanto o escritor Marcelo Rubens Paiva concordaram que não é necessária uma adaptação 100% fiel de um livro para um filme, até porque os ritmos narrativos são diferentes. “O cinema pega uma obra literária e pincela uma trama principal com base em alguns elementos da narrativa, mas o roteirista começa a escrever sua versão tentando esquecer das informações em volta”, disse Paiva.
Como maneira de divulgar e promover parcerias e novos roteiros, o Fórum ainda teve uma série de Pitchings com sete editoras, que apresentaram obras literárias com potencial cinematográfico. Isso porque, segundo Ana Paula Sousa, coordenadora do Fórum, uma das propostas da Mostra é também olhar para o cinema além dos filmes prontos, indo mais profundamente na cadeia produtiva do cinema. Para Luana Franca, representante da Companhia das Letras, essa relação entre literatura e cinema só traz ganhos para ambos: traz leitores para conhecer o livro e espectadores para o cinema.
Assim como nos outros dias de debates, a política não ficou de fora dos bate-papos deste dia. “A classe artística precisa se unir, sem boicotes e com uma visão mais coletiva. Enquanto formos desunidos, esse governo tosco vai ganhar da gente”, declarou o produtor Rodrigo Teixeira.