Destaque em Gramado: Conexões Film Market, debates, estreia histórica na TV
“Surpresa foi descobrir o quanto a união de um grupo, a paixão de uma equipe em torno de um mesmo motivo, que era a vontade de fazer o Festival acontecer, mobiliza e traz grandes aprendizados. Não havia um modelo a seguir, um manual. A gente tinha uma meta, continuar com o Festival de Cinema de Gramado no formato que fosse, e conseguimos. A gente está fazendo e aprendendo e, ao mesmo tempo, criando um tutorial para outros festivais, com certeza”. A fala é do diretor artístico Rubens Bandeira, mas traduz o sentimento de toda a equipe de trabalho do 48º Festival de Cinema de Gramado, que em 2020 realizou a primeira e histórica edição multiplataforma.
A primeira edição multiplataforma do Festival de Cinema de Gramado, evento que acontece ininterruptamente há 48 anos, exigiu uma série de adaptações e desafios. “Nesta edição precisamos nos reinventar. Além de pensar no palco do cinema, na apresentação dos cerimoniais, foi preciso dirigir os programas do Festival, que foram pensados para exibição na televisão e nas redes sociais. Precisamos ter um novo olhar para esse formato, foi um grande desafio”, conta Rubens.
Encerramento dos debates
A 48ª edição do Festival de Cinema de Gramado encerrou o ciclo de debates com as equipes dos curtas brasileiros “Trincheira”, de Paulo Silver, e “O Barco e o Rio”, de Bernardo Ale Abinader, e do longa brasileiro “King Kong en Asunción”, de Camilo Cavalcante.
“King Kong en Asunción”, o longa pernambucano de Camilo Cavalcante traz um velho matador de aluguel, vivido pelo saudoso Andrade Júnior, comete o seu último assassinato na região desértica de Salar de Uyuni e se esconde no interior da Bolívia. Após meses isolado, ele viaja para o interior do Paraguai onde recebe uma boa recompensa e segue para Asunción com o objetivo de conhecer sua filha. O filme totalmente latinoamericano, tem na equipe profissionais de cinco países. Há colombianos, paraguaios, argentinos, bolivianos e brasileiros. “Sempre priorizei a espontaneidade, a possibilidade de criarmos juntos. Permitimos os acasos, assumimos os imprevistos como forma de narrativa e estética do filme”, comenta Camilo. O roteiro previa inicialmente uma narração em off do próprio personagem, mas foi narrado em guarani pela atriz paraguaia Ana Ivanova. No elenco também Juan Carlos Aduviri, Fernando Teixeira, Maycon Douglas e Georgina Genes.
A produtora executiva Carol Vergolino falou sobre a experiência de ter a estreia do filme na TV em um momento de pandemia. “Toda a solidariedade a essas famílias dos quase 140 mil mortos. Mortos que esse governo de morte fez com que fossem mais do que as esperadas. O cinema também é a interação de corpos. A classe artística foi a primeira a parar e será a última a voltar. Mas este também é um momento de ver outras possibilidades, há também de se esperançar, ver o que há de saldo positivo e promover o Festival é um ato de resistência. Saldo de poder ser visto na TV por muito mais gente, mas chegar a isso em cima de muitos corpos é muito triste”, avalia.
O alagoano “Trincheira” conta a história de Gabriel, um menino que de um lixão observa o muro de um condomínio de luxo e usa a imaginação para construir seu universo fantástico. Do meio da sucata, do ferro-velho, o menino cria seu mundo e extrapola a própria e precária realidade. “O filme surgiu da vontade de falar sobre a desigualdade. Somos de um estado com a pior distribuição de renda e ‘Trincheira’ foi uma forma lúdica que encontramos para tratar do tema”, comenta Paulo Silver.
O amazonense “O Barco e o Rio” conta a vida de Vera, uma mulher religiosa que vive em um barco no porto de Manaus com a irmã Josi, que frequenta os bares da redondeza, e com quem diverge em diferentes aspectos. “A ideia inicial surgiu da vontade de investigar essas pessoas que circulam no porto e entender suas subjetividades. Essa questão que existe entre as duas irmãs está presente em toda a zona portuária, cheia de bares e igrejas”, comenta o diretor Bernardo Abinader.
Festival lança a Carta de Gramado
O Festival de Cinema de Gramado é, tradicionalmente, um palco de resistência e defesa do cinema brasileiro. Este ano, o evento lança mais uma vez a Carta de Gramado, que tem como signatários SOS Cinemateca – APACI – Associação Paulista de Cineastas, ABPA – Associação Brasileira de Preservação Audiovisual, Cinemateca Viva e Cinemateca Acesa e já conta com as adesões do 48º Festival de Cinema de Gramado, Conexões Gramado Film Market, Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Abraci – Associação Brasileira de Cineastas (RJ), Accirs – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, Frente Parlamentar da Câmara Municipal de São Paulo, Frente Parlamentar Mista em Defesa do Cinema e do Audiovisual da Câmara Federal, Pavi – Pesquisadores do Audiovisual e da Iconografia, Siaesp – Sindicato da Indústria Visual do Estado de São Paulo, Siav – Sindicato da Indústria Audiovisual do Rio Grande do Sul, e colegiado Setorial do Audiovisual do Rio Grande do Sul.
A produção cultural brasileira já enfrentou ataques demolidores por parte de muitos governos – os anos Collor foram exemplares nesse sentido: destruíram a EMBRAFILME e derrubaram as estruturas do cinema brasileiro, levando consigo estúdios, laboratórios, planos e sonhos. Foram 5 anos de terra arrasada, mas depois de muito esforço e luta nos reerguemos. Os governos terminam, mas a produção cultural segue pulsando, pois é uma necessidade atávica dos seres humanos, apesar de seus governantes… (leia na íntegra no site www.festivaldegramado.net)
Conexões Gramado Film Market
O painel ‘Festivais de Cinema: novas perspectivas’ promovido pelo Conexões Gramado Film Market recebeu a curadora de cinema, produtora e consultora de festivais Hebe Tabachnik e o cineasta, crítico de cinema e também curador em festivais Eduardo Valente. Hebe é programadora sênior dos Festivais Internacionais de Cinema de Seattle, Palms Springs e Cartagena, e Diretora Artística do Cine Latino Minneapolis Saint Paul. Eduardo trabalhou para vários festivais no Brasil, e foi diretor artístico do Festival de Brasília por três anos.
O Hub Universidades do Conexões Gramado Film Market recebe Roberto Gervitz para falar sobre Cinemateca Brasileira e Forcine – Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual. Gervitz é realizador de filmes como Braços Cruzados Máquinas Paradas, Feliz Ano Velho, Jogo Subterrâneo, Prova de Coragem e Na Dança!. Dirigiu também episódios da série Carandiru – Outras Histórias, entre outros trabalhos. É coordenador do GT SOS CINEMATECA da APACI – Associação Paulista de Cineastas.
A cineasta Laís Bodanzki, homenageado com o Troféu Abelin, foi a convidada para o Brasil Audiovisual. “As plataformas de streaming estão mostrando a sua força econômica, mantendo nosso audiovisual vivo em momento de crise, contratando produções. Isso é importante. Porém, isso não basta. Não é suficiente. Tem algo muito delicado em jogo que é a questão patrimonial e intelectual. Patrimonial nosso, enquanto seres pensantes brasileiros. Na hora em que a gente vende nosso pensamento e não temos participações, simplesmente fazemos uma entrega. Isso não é saudável para nenhuma indústria. Um país precisa fazer uma defesa da sua indústria local, do seu pensamento local. E isso não está acontecendo no nosso audiovisual. Não temos uma proteção à nossa indústria”, ponderou Laís.
Em sua quarta edição, o Conexões Gramado Film Market realiza mais uma vez seu Concurso Interativo, que premia a melhor Série Brasileira e Documentário Brasileiro. Das quase 500 inscrições, cinco produtos foram selecionados para a votação, que ocorreu via internet.
A Melhor Série Brasileira é “Lupita pelo mundo”, série de animação infantil dirigida e produzida por Petit Fabrik e Druzina Content. Já o Melhor Documentário Brasileiro é Sementes: Mulheres Pretas no Poder”, dirigido por Éthel Oliveira e Julia Mariano.
Os vencedores receberão o Prêmio TECNA – PUC, no valor de 5 mil reais em serviços de infraestrutura, no centro de produção audiovisual e, também, a possibilidade de licenciamento para TV por assinatura nos canais Box Brasil e na plataforma Box Brasil Play.
Exibição dos filmes pela televisão foi celebrada
“Ontem foi a primeira vez que meus primos e primas assistiram a exibição de um filme meu no Brasil. Só tenho isso a dizer.” A frase do diretor Felipe Bragança de “Um animal amarelo” emocionou a equipe por trás das câmeras durante o debate dos filmes exibidos na noite de domingo porque traduz um dos mais importantes motivos que impulsionaram a organização durante os meses que antecederam o início do Festival. Apesar de todos os reveses causados pela pandemia que modificou o mundo, a certeza de que o Festival de Cinema de Gramado chegaria a um número muito maior de pessoas espalhadas por diferentes lugares foi ideia presente durante todo o processo. Felipe foi questionado sobre se a exibição do filme na tv, e não no cinema, prejudicaria a experiência do espectador. “Acho que modifica a experiência, não é uma questão de prejudicar. Foi curioso porque já passei filmes em diversos festivais, já tive filmes em cartaz, já estive em festivais muito grandes…E ontem aconteceu uma coisa muito curiosa, que não significa uma conclusão, mas foi uma sensação muito bonita. Eu cresci no Centro do Rio, mas sou de família periférica, minha família é toda da Baixada Fluminense. E ontem foi a primeira vez que meus primos e que minhas primas assistiram à primeira exibição de um filme meu no Brasil. Só tenho isso pra dizer. E não sei como digiro isso para frente”.
Curtas brasileiros
Os curtas-brasileiros “Atordoado, eu permaneço atento” de Henrique Amud e Lucas H. Rossi dos Santos e “Blackout” de Rossandra Leone usam os recursos do tempo para tratar de problemas sociais do presente. “Atordoado, eu permaneço atento” é um documentário que volta ao passado e costura imagens de arquivo com a fala e as memórias do jornalista Dermi Azevedo, que foi preso político e lutou pelos direitos humanos. As práticas da época, o cerceamento de liberdade e a criminalização dos movimentos sociais são pontos de reflexão propostos. Henrique Amud conta que o filme foi rodado poucos dias após a eleição do presidente Bolsonaro. “Governo que propaga mentiras, preconceitos… Importante traçar um paralelo do discurso do Derli com o que está acontecendo hoje”, avalia Henrique.
“Blackout” de Rossandra Leone faz uma viagem ao futuro para discutir questões como abuso de autoridade, violação de direitos, racismo, homofobia, machismo. “Quis trazer o futuro sem sair do presente. As pessoas conseguem se ver, fica palpável esse universo. De se verem representadas mesmo… Quis uma história em que não caísse no clichê dos corpos pretos, que sempre morrem no final ou algo de muito ruim acontece”, comenta a diretora Rossandra, que conta ter selecionado a equipe com o cuidado do corte de raça e gênero. “Os dados do audiovisual são excludentes. Queríamos mulheres negras na equipe. Junto com a produtora Gabriela Freitas a gente formou uma equipe de maioria mulher, maioria da periferia”, conta.
Festival estreia no Canal Brasil com o início das mostras competitivas
Foram meses de preparação para colocar o Festival de Cinema de Gramado “no ar”, mas a noite de estreia no Canal Brasil correspondeu a todas as expectativas. Com exibição de excelente qualidade de imagem e som, o público acompanhou na grande tela, mas desta vez da TV de casa. E quem tem acesso à programação ao vivo do Canal Brasil pela internet, também assistiu do notebook, do tablet, do celular e, o mais surpreendente e novo, de qualquer lugar. O formato multiplataforma inédito rompeu os limites físicos da sala de cinema e foi ao encontro do espectador. “Reunimos todos os esforços para realizar o Festival sob qualquer hipótese. Foi emocionante acompanhar o esforço sendo materializado e tem nos alegrado imensamente receber o retorno positivo tanto dos realizadores quanto da audiência que tem nos acompanhado pelas redes sociais”, avalia Rafael Carniel, presidente da Gramadotur, autarquia municipal responsável pela realização do Festival de Cinema de Gramado.
Abertura histórica
O palco do Palácio dos Festivais foi o cenário de um momento histórico na manhã desta sexta-feira, 18. Do tablado que já recebeu os mais importantes nomes do cinema brasileiro e ibero-americano e na mesma data em que a televisão brasileira comemora 70 anos, foi dada a largada da primeira edição multiplataforma do evento. Essa é a primeira das 48 edições cuja abertura acontece sem público presencial, mas com uma equipe comprometida em fazer o Festival chegar longe. Conduzido pela apresentadora Marla Martins, o programa de abertura concentrou as principais informações e novidades deste formato, como as formas de exibição, recapitulou os filmes que compõem as mostras competitivas e mostrou a movimentação da cidade, que está com o tapete vermelho estendido para honrar a tradição de quase 50 anos.
O presidente também destacou a importância para o setor na decisão de manter a realização do Festival de Cinema. “Temos um profundo respeito pela classe do audiovisual. Foram 667 filmes inscritos, todo um trabalho de curadoria, e sabemos o valor para a cultura e tudo o que o Festival representa no cenário nacional. Nossa primeira tentativa foi alterar a data de agosto para setembro, mas quando percebemos que as coisas não estavam evoluindo no sentido de termos tranquilidade e protocolos de biossegurança necessários para promover o Festival da forma tradicional, a Gramadotur se reuniu e decidiu que iria ocorrer sob qualquer hipótese”, explica. E continua, “Gramado se tornou um polo de turismo no Brasil em função da sua cultura, e o Festival foi a grande mola propulsora. Não tínhamos como não promovê-lo. Este ano, decidimos ir para o Canal Brasil, levando o Festival para a casa das pessoas. E o Festival vem com tudo, com tudo que sempre teve e muito mais”, conclui.