26/1 – Encontros sobre curtas e o longa “Rosa Tirana” com direito a debate do conceito de personagem
No quinto dia da Mostra Tiradentes, 26 de janeiro, o evento contou com três debates, sendo dois do tipo Encontro com os Filmes e um debate aberto sob a pergunta-tema: “O que é uma personagem?”.
– Encontro com os filmes | Mostra Aurora (longas) | Rosa Tirana:
O longa-metragem “Rosa Tirana”, centrado no sertão, teve um debate dedicado, assim como outros filmes da Mostra Aurora. Na ocasião, participaram o diretor e roteirista Rogério Sagui, a atriz Kiarah Rocha e o ator José Dumont. Como já é tradição, o debate teve um crítico convidado, no caso Cleber Eduardo |SP, um dos idealizadores da Mostra Aurora, além da mediação do crítico Marcelo Miranda.
Para o crítico convidado, o filme tem uma visão poética e até mitológica do sertão, trazendo um “sertão atemporal, que permanece em todas as suas mudanças e transformações, pela sua carga simbólica, mitológica e representativa. Que apresenta um espaço familiar, situações familiares, mas que lida com esse espaço de forma diferente, que se desvia da tradição de representação do sertão no cinema”.
E esse sertão se apresentou ao diretor Sagui de maneira plural. Para ele, esse espaço se apresentou a ele por meio de vários artistas como Guimarães Rosa, Glauber Rocha e outros. “Nesse roteiro que surgiu em um devaneio, de madrugada, essa menina andava por um sertão que era outro e que já estava dentro de mim, nas histórias dos meus avós e tios. Fui resgatando, nessas memórias e lembranças dos meus antepassados, um sertão muito mais lúdico do que o que vivencio aqui no sul da Bahia. Isso me instigou a procurar além da geografia, por um sertão da beleza e mitos. Esse o sertão de Rosa, é uma junção de todos os sertões ao mesmo tempo”.
Retratar esse espaço e a convivência com ele também foi um desafio para a atriz Kiarah que interpreta a protagonista Rosa, que nunca viveu no sertão. “Rosa é uma personagem forte que guardarei para sempre no meu coração”, disse. A história foi um pouco diferente para José Dumont, que já teve que conviver com a fome e a seca da região.
Além disso, o diretor apontou como a equipe que trabalhou no filme foi ainda mais especial posto que todos foram voluntários, afinal, “praticamete não tínhamos recursos. É muito complicado fazer um filme desse jeito, no meio desse cenário de desmonte do cinema brasileiro”.
– Encontro com os filmes | Mostra Foco (curtas) | Série 1
No primeiro encontro da Mostra Foco de curtas-metragens, foram incluídos um total de quatro obras e seus realizadores, com mediação da crítica e curadora Camila Vieira. Para ela, os quatro escolhidos para a Série 1 compartilham “a ideia de colapso do mundo”, de apocalipse. Os filmes e seus realizadores foram:
“A Destruição do Planeta Live”, de Marcus Curvelo: “Decidi falar sobre a sensação de estar vivendo essas desgraças constantes (no Brasil), sem necessariamente apontar alguma delas. O fogo (mostrado no filme) é quase uma celebração, um artifício, uma catarse, uma explosão que se dissipa, algo que marca a tragédia e também o fim dessa dor”.
“Céu de Agosto”, de Jasmin Tenucci: “Já vinha acontecendo muita coisa desde 2016, como retirada de direitos dos trabalhadores, desmonte da cultura, mas tudo isso ainda não tinha se concretizado tão forte naquele momento. O céu (que escureceu em meados de 2019 em São Paulo) indicou que as coisas estavam fora de controle”.
“Drama Queen”, de Gabriela Luiza: “Sou atriz, formada em teatro, e tive que viver, ao mesmo tempo, o processo de desmonte do cinema e de mudar de função no teatro, de deixar de ser atriz para assumir esse lugar de direção, de ter uma câmera na mão para recortar esse mundo justamente nesse momento.
“Lambada Estranha”, de Luísa Marques e Darks Miranda: “(a piscina abandonada onde o filme foi gravado) É um lugar onde outras vidas se manifestam, nas plantas que crescem ali, em alguns animais que ficam lá. E tenho certeza de que é um lugar habitado por muitos fantasmas
– Debate: O que é uma personagem?
Com o pesquisador e cineasta André Antônio como mediador, o painel contou com três diretores/roteiristas para falarem sobre seus processos de criação de personagens e também de mundos próprios: Gabriel Martins (MG), Carol Rodrigues (SP) e Lincoln Péricles (SP).
Para Martins, os corpos e espaços do meio urbano foram inspiração certa, muito mais do que manuais. “Sempre o transporte público foi um ponto de muita invenção pra mim, vendo essas pessoas que me despertavam sentimentos muito fortes e que apareciam em paralelo ao cinema que eu via naquele período. E o que eu via no meu cotidiano era muito oposto ao que eu assistia nos filmes. Dessa minha formação veio a ideia de que escrever personagens ia ser eu propor encontros diante da câmera, pensar caminhos que ainda não tinham sido atingidos. Até hoje sigo esse movimento de colocar na tela coisas que eu estou com vontade de ver”, disse ao se referir ao período entre 1999 e 2000.
Carol, que atua com projetos independentes e da Netflix, também reforçou o ambiente urbano como espaço de observação. “Eu atravessava duas horas de ônibus pela cidade para ir ao cinema e via vários filmes de uma vez, para então voltar mais duas horas até em casa. Boa parte da vontade de fazer cinema é a de querer colocar na tela pessoas da nossa cabeça, personagens que reconstroem o humano, é recriar a humanidade, dar visibilidade a quem a gente não estava vendo, ocupar um espaço até então invisível”. Além disso, apontou dicas para quem quer construir personagens como escolher a forma que utilizarão para isso.
Para Péricles, por sua vez, afirma que os caminhos conhecidos não podem minar a criatividade de quem os percorre. “Não é que eu ache bons os manuais de roteiro, não é isso, mas não vou chegar em quem tá começando dizendo pra não estudar alguma coisa. Todo conhecimento é bem-vindo”.
Confira todos os detalhes dos debates: