27/1 – O cinema como intervenção política, ouvidoria digital e encontros com os filmes na Mostra Tiradentes
A quarta-feira passada, 27 de janeiro, foi um dos dias da Mostra Tiradente com programação mais recheada, contando com dois painéis do tipo Encontro com os filmes, uma roda de conversa sob o tema “Cinema como intervenção política” e uma live sobre Ouvidoria Móvel digital.
– Encontro com os Filmes | Mostra Aurora (longas) | Kevin:
Com a já conhecida mediação de Marcelo Miranda, crítico de cinema, também participaram da discussão, Joana Oliveira– diretora, roteirista, personagem do filme; Gustavo Fioravante – desenho de som e personagem; Luana Melgaço – produtora; Kevin Adweko – personagem; e a crítica convidada: Mariana Queen. A crítica, inclusive, apontou que o filme se trata principalmente sobre a relação intercultural de duas mulheres. “Ele responde que é possível uma amizade entre brancos e negros, de culturas tão diferentes, uma amizade tão profunda que supera as diferenças e o racismo. Como é bonito ver um filme feito por uma amiga para outra amiga, com essa amizade que perdura o tempo e a distância. Uma produção como essa, nos tempos de hoje, me emociona. O filme me mostra como elas se refletem uma na outra. Como esse corpo, tornado mulher, deixa a gente com os mesmos dilemas, essa questão emocional que aproxima muito as duas. O que é ser mulher no mundo”, contou.
Durante o debate, Kevin Adweko, a amiga e personagem que dá nome ao filme, comentou direto de Uganda o fato de ser foco do filme “A Joana talvez não tenha entendido ainda a profundidade deste trabalho, que é algo muito pessoal para mim. Me vejo ali e fico me perguntando se sou eu mesma ali, pois a Joana tem uma forma muito linda de me colocar na tela”, disse, com tradução de César Melo.
A diretora Joana, por sua vez, reforçou que buscou se cercar de pessoas muito queridas para fazer o filme, um processo que demorou 8 anos. “Não foi um filme fácil de financiar e nem barato, porque precisávamos levar a equipe para fora do país. Comecei o projeto em janeiro de 2013 e ouvi muitas críticas, de pessoas que não acreditavam nessa história e na força da amizade entre as mulheres. A minha vontade era mostrar algo bem íntimo, como duas amigas conversando na cozinha. Tinha certeza que a Kevin seria o máximo na tela, mas não sabia como eu ficaria. Foi difícil demais, quase um trabalho de autodireção. Como diretora, ficava o tempo todo querendo entender o que estava acontecendo atrás das câmeras. É uma coisa muito diferente ser personagem do próprio filme”.
– Encontro com os Filmes | Mostra Foco (curtas) | Série 2:
O segundo debate da Mostra Foco, dedicada a curtas-metragens, contou com quatro diretores para comentarem suas obras com mediação de Felipe André Silva, um dos curadores da Mostra. Foram eles:
“4 Bilhões de Infinitos”, de Marco Antônio Pereira: “Cada um de nós tem sua busca pessoal e estamos sempre atrás de alguma coisa nova, de algo que nos surpreenda”.
“De Costas pro Rio”, de Felipe Aufiero: “Me parece que as pessoas pararam um pouco de se espantar com o que está acontecendo (na pandemia), e o cinema vem para mostrar isso, para recuperar esse espanto. Os filmes podem pontuar e recolocar algumas coisas e algumas tragédias no lugar (da percepção). A memória originária, a memória indígena, precisa ser mantida, ainda mais porque ela vem sendo solapada desde 1500. O cinema pode recuperar isso, mas acho que sozinho ele não é suficiente para fazer com que as pessoas voltem a vivenciar o que está contido nessas memórias”.
“Eu te Amo, Bressan”, de Gabriel Borges: “Era o nosso primeiro filme com alguma estrutura, então tinha o desejo forte de criar as mais diferentes possibilidades possíveis”.
“Ratoeira”, de Carlos Adelino: “O filme foi pensado e desenvolvido ao longo de 2019 e concluído em fevereiro de 2020, então nem existia isso de pandemia, mas acabou sendo visto por esse viés por tratar de uma situação de confinamento. A questão é que o distanciamento entre as pessoas, a frieza dos objetos, tudo isso já estava dado nas relações do mundo bem antes da atual situação”.
– Roda de Conversa | Cinema como intervenção política:
Cinema e política têm uma relação complicada. Portanto, esse painel, mediado pelo crítico Juliano Gomes, contou com filmes para debater essa relação. Foram eles: “Sementes: Mulheres Pretas no Poder”, de Julia Mariano; “Entre Nós Talvez Estejam Multidões”, de Aiano Bemfica; e Pedro Maia de Brito, e “#eagoraoque”, de Rubens Rewald e Jean-Claude Bernardet. Confira os destaques da conversa, evidenciados pela assessoria da Mostra Tiradentes.
Juliano Gomes abriu a mesa apontando questões consideradas urgentes na constatação dos rumos desse começo de século 21: a ideia da intervenção política e da mudança social tratadas pelo capitalismo como commodities e mercadoria simbólica de alto valor; e como fazer uma organização de pessoas, um senso de coletividade, que tenham ação e lastro no tecido social. “A indústria de entretenimento tem recorrido a esses valores nos seus grandes produtos como um ‘Pantera Negra’, por exemplo, e quando o grande capitalismo fala de intervenção política e transforma isso em slogan, existe um desafio a filmes como os de vocês e as diferenças que se pode ter no nível do discurso”, provocou o crítico. “Esse capitalismo que vende a mudança social ainda não se interessa pela questão do coletivo e da agremiação”.
Para comentar as questões do mediador, Julia Mariano descreveu a concepção de “Sementes – Mulheres Pretas no Poder”, que documenta as diversas candidatas negras do Rio de Janeiro que buscaram espaço no cenário político local depois do assassinato da vereadora Marielle Franco, em março de 2018. “A forma como a gente realiza o filme, quem a gente escolhe pra contar a história, já é política e se diferencia de propostas comerciais. Se não fosse a coletividade e a consciência de muitas mulheres do audiovisual no Rio de Janeiro ao cenário que se desenhou nas eleições depois da morte da Marielle, não teríamos esse filme”, contou Julia. “Começamos a filmar sem nenhuma verba de produção, todo o trabalho e todo o equipamento foi colocado a partir do entendimento coletivo da importância daquele projeto, e ele se tornou um filme do possível. A experiência do ‘Sementes’ me faz pensar que existe uma forma de cinema político no abrir espaço a outras pessoas que não têm os mesmos acessos aos meios de produção, permitindo outros olhares e outras formas no ato de contar suas histórias”.
Rubens Rewald, codiretor de “#eagoraoque”, contou que o gesto de fazer o filme partiu da inquietação de encarar a urgência das questões que mexiam com ele e o parceiro de direção, Jean-Claude Bernardet. “O que levou cada um de nós a este filme não passa pelos mesmos interesses, mas nós dois nos incomodamos há muito tempo com a forma de produção de filme baseada no tempo da concepção, da captação de recursos, da realização e da distribuição. Quando fica pronto, o filme pode estar obsoleto, ou sua pulsão inicial já morreu, e essa é a falência de um projeto artístico’, pontuou.
O convite aos participantes de “#eagoraoque” – entre eles o filósofo e professor Vladimir Safatle – partia dos diretores como chamada a uma ação política através do filme. “Quem se agregou ao projeto tinha em mente que não seria só uma aventura artística, mas também a necessidade de expressão política de todos os envolvidos. Não queríamos mostrar um ideário, e sim abrir discussões, debater o papel do intelectual e das perplexidade da esquerda nos últimos anos”, disse Rewald. Ao seu lado, Bernardet reforçou que “o político de um filme não é o tema, não é a mensagem, não é a escolha dos diretores, e sim está em como a sociedade vai se relacionar com esse filme”. Para ele, há um forte acento político no filme porque muitas pessoas têm reagido a ele desde quando passou a ser exibido.
Em seu quarto filme dentro de um contexto de militância, que parte de ambientes e contextos onde ele e o parceiro Pedro Maia se fincam nas lutas sociais, Aiano Bemfica falou sobre alianças de coletividade como essenciais à produção de um cinema dito político. “Quando se organizam imagens de processos como as eleições de 2018, seja no filme da Julia ou no nosso filme, e você olha aquelas imagens para organizar e trabalhar nelas dentro de uma forma complexa de montagem, a gente está tecendo significado, tecendo comentários, devolvendo aquelas imagens pro mundo carregadas de sentidos de outras lutas e reconstruindo possibilidades narrativas históricas”, disse Aiano.
Em “Entre Nós Talvez Estejam Multidões”, Aiano e Pedro propõem uma jornada através da Ocupação Eliana Silva ao longo da campanha que elegeu Jair Bolsonaro em 2018, dando voz à comunidade através de seus sonhos, desejos, contradições e lembranças. “Não existem respostas fáceis pro cenário em que estamos. Todas as perguntas nos colocam em situações de instabilidade, nas quais os filmes aparecem como espaço de reflexão e organização das ideias, de experimentação de outras alianças políticas. Para Aiano, o cinema, quando pensado para participar, intervir e modificar a política, também deve modificar seus próprios processos de realização.
Diferenciando esse cinema político das produções comerciais que tratam a política como produto, Julia Mariano acredita que os parâmetros são diferentes, pelo tempo e lógica de cada um e pelas constituições de imaginários possíveis do real. “O cinema que me proponho a fazer é o do risco, no limiar de não dar certo, e essa insegurança me ajuda a pensar sobre as formas”.
– Live | Ouvidoria Móvel Digital:
A live especial no evento foi um momento para a Ouvidoria Geral do Estado de Minas Gerais apresentar o projeto “Ouvidoria Móvel Digital”, que ficou disponível ao cidadão mineiro de maneira virtual durante toda a realização da Mostra, das 9h às 16h no link www.mostratiradentes.com.br/ouvidoria-mg.
O evento reuniu a ouvidora-geral adjunta, Kathleen Garcia; do ouvidor de Prevenção e Combate à Corrupção, Daniel Medrado e mais cinco ouvidores especializados para um bate-papo ao vivo com o público. “Acreditamos que a soma de esforços e as parcerias são ferramentas que levam a resultados eficazes em que todos ganham – governo, cidadão, gestores. É com prazer que inauguramos a parceria com a Ouvidoria Geral do Estado utilizando os canais de comunicação do evento para divulgar o projeto da Ouvidoria Móvel que consideramos fundamental para o exercício da cidadania, além de ser um canal direto de posicionamento, transparência e diálogo entre a sociedade e o Governo de Minas Gerais”, comentou a diretora da Mostra, Raquel Hallak, sobre a iniciativa.
Confira todos os destaques na íntegra: