28/1 – Filmes e debate sobre processos e fundamentos da criação audiovisual

Na última quinta-feira, 28 de janeiro, a Mostra Tiradentes contou com outro dia com uma intensa programação, toda gratuita e organizada pela Universo Produção. Foram quatro debates no total, incluindo um bate-papo com realizadores da Mostra Formação, bem como Encontro com os Filmes e painel argumentativo, além de uma experiência artística. Saiba mais:

ENCONTRO COM OS FILMES – MOSTRA AURORA | A MESMA PARTE DE UM HOMEM – Foto Reprodução/Universo Produção

– Encontro com os Filmes | Mostra Aurora (longas) | A Mesma Parte de um Homem:
Seguindo a tradicional série “Encontro com os filmes”  da Mostra Aurora, essa foi a vez do longa “A mesma parte de um homem”. Participaram do bate-papo Ana Johann, diretora e roteirista; Antônio Gonçalves Jr, produtor; Hellen Braga, diretora de fotografia do filme; e Clarissa Kiste, atriz. Como esperado, houve o convite à uma crítica, no caso Juliana Costa, e a mediação de Marcelo Miranda, crítico de cinema.

As transições e mudanças de atmosferas foram as características que mais chamaram a atenção de Juliana Costa. “Gostei muito como o longa joga com essa transição e as atmosferas, como a primeira transição, que acontece com 40 minutos de filme, que varre toda a atmosfera inicial. O trabalho com os atores é precioso para retratar a mudança de atmosfera do filme, o que é um dos grandes méritos do longa. Dá para perceber que se trata de uma produção que investe muito no rosto e no corpo do elenco que se joga nesta proposta de uma forma muito genuína”.

Terceira mulher a dirigir um longa de ficção no Paraná, Ana Johann relembrou que começou a escrever o roteiro em 2012 e que agora o filme está aberto para o público criar novas interpretações de sua narrativa. “Acredito muito num roteiro vivo, sou apaixonada pela escrita e dou aulas de roteiro. Mas acredito que quando chegam os atores, o diretor de fotografia e toda a equipe, o roteiro que é vivo adquire novas formas”.

A diretora e roteirista também ressaltou o trabalho do elenco. “Os atores descobriram coisas que eu nem tinha percebido que estavam ali, chegavam com ideias geniais”. E explicou sua inspiração para a criação do roteiro. “Nasci no campo e cresci em uma na vila rural. Esse filme parte da minha observação de que o campo que tem essa beleza idílica também é violento em suas estruturas. Além disso, quis discutir também o papel e a sexualidade da mulher. Essa resiliência que vem pelo gozo, a mulher e o domínio do seu desejo”.

Sobre a escolha do título, Ana Johann esclareceu que tem uma espécie de ritual de escrita. “Não começo a escrever sem uma imagem e um título. Por isso, o nome do filme sempre foi esse, não se alterou. Gosto de pensar em títulos que sejam como imagens. Desde o início trabalhei com a ideia da necessidade da personagem feminina por segurança, pois queria falar desses papéis masculino e feminino e da estrutura familiar”.

Hellen Braga comentou sobre sua primeira experiência como diretora de fotografia em um longa-metragem. “Foi um processo muito lindo, intenso e delicioso. A gente preparava as cenas e os atores traziam ideias incríveis que não tínhamos como não fazer. Trabalhamos com câmera na mão, para deixar tudo muito fluido, para que a concepção de fotografia passasse a transição desses personagens. A câmera na mão, o trabalho com os atores e a direção foram como uma dança”.

Clarissa Kiste, que interpreta a personagem Renata, afirmou “que estar inserida em uma equipe majoritariamente feminina me ajudou a dar crédito a essa visão de mundo que queríamos mostrar”. A atriz salientou que Renata não foi uma personagem fácil de decifrar. “O olhar da Hellen me ajudou a decifrar o caminho que queríamos dar para essa personagem. A gente tinha uma espécie de dança, com poucas frases já entendíamos por onde a personagem deveria ir. Juntas fomos construindo sua voz interna e seus desejos”.

O produtor Antônio Gonçalves Jr. apontou que sua relação com o interior fez com que se encantasse com o projeto. “Nasci em São Paulo mas fui criado no interior do estado, onde meus pais ainda vivem. Esse olhar que a Ana trouxe é pouco comum e chamou minha atenção”.

Ele frisou ainda a importância dos editais e financiamentos públicos que permitiram a captação de recursos para a viabilização do filme. E evidenciou a parceria e o diálogo que perpassou todo o processo de produção. “Como era o primeiro longa de ficção da Ana, tivemos conversas muito maduras sobre todas as decisões centrais, pois a estrutura e as questões são muito grandes e muito diferentes do que as presentes em curtas e documentários. Foi muito gratificante ver o resultado final e estou bem feliz com este processo, foi muito legal.”

 

– Encontro com os Filmes | Mostra Foco (curtas) | Série 3:

No último Encontro com os Filmes dedicado à Mostra Foco, os títulos reunidos para a conversa partem de uma certa ideia distópica da ruína e da temporalidade constante das crises e das tragédias sociais. Essa foi a ideia apresentada pela mediadora Tatiana Carvalho Costa, uma das curadoras da Mostra de Tiradentes, e lançada aos participantes. “A catástrofe política e humanitária que a gente vive hoje não é do presente, não é contemporânea, existe uma transtemporialidade nisso”, disse ela. Tatiana apontou que os filmes da série 3 da Foco se posicionam de maneira reativa ao estado de coisas, respondendo ao presente e a um diagnóstico que é da sociedade num conjunto atemporal.

A distopia do curta cearense de Rafael Luan e Mike Dutra, “Preces Precipitadas de um Lugar Sagrado que não Existe Mais”, encontra ecos na fala da curadora. “As violências que são da colônia estão aqui ainda agora, ainda hoje. O futuro que foi roubado da população negra conta com muitas iniciativas no passado e no presente que nos ajudam a lidar com isso agora”, ponderou Mike. Ele e o parceiro de direção pretendiam captar um tipo de atmosfera das ruas de Fortaleza que transmitisse a ideia desse fluxo temporal que é a ficção do filme, como tempos convivendo num mesmo espaço e representando as contradições do presente.

A dupla Julia da Costa e Renata Mourão, diretoras de “Abjetas 288”, tiveram gesto similar na aproximação com as ruas de Aracaju, capital de Sergipe e onde o curta foi produzido como trabalho de conclusão de faculdade das duas. “Estávamos incomodadas com o tipo de imagem que víamos sobre Aracaju e aí formulamos a ideia de como seria esse musical que a gente fez”, disse Renata. Por sua vez, Julia chamou o filme de “projeto meio megalomaníaco” por exigir uma produção muito cuidadosa a partir de orçamento zero num filme que, segundo a curadoria da Mostra, incorpora “dança e performance para apresentar sujeitos que vagam pelas paisagens desoladas da cidade, pelo sertão e pelos mangues, encontrando uma constelação de fantasmagorias urbanas”. As diretoras contaram com apoios e campanha de financiamento coletivo. “Quisemos representar o que a gente vê e o que a gente vive em Aracaju. Mesmo antes da pandemia alguns dos espaços que a gente filma estavam sempre esvaziados, com pouca gente na rua”, contou Julia.

A diretora e montadora Natara Ney, que fez com Gilvan Barreto “Novo Mundo”, disse que o companheiro de trabalho desenvolve há anos “um trabalho intenso do que eu chamo de história amarga do Brasil”. Ela contou que conhecia os projetos de Gilvan por suas pesquisas em torno dos “processos da ditadura e do sofrimento dos corpos”, e a ideia de fazerem o filme juntos era falar a partir disso. “Queríamos criar um diálogo que não fosse só um grito, mas um alerta e uma lembrança. O que acontece agora já aconteceu antes e precisamos fazer movimentos pra que não se repita. ‘Novo Mundo’ se tornou um aprendizado doloroso, porque todo dia tem a repetição daquelas histórias”, comentou Natara.

 

PROCESSOS E FUNDAMENTOS DA CRIAÇÃO – Foto Reprodução/Universo Produção

– Debate – Processos e fundamentos da criação:

Ecoando a temática de 2020 da Mostra, “A Imaginação como Potência”, e rearticulando as ideias a partir da proposição de 2021, “Vertentes da Criação”, a mesa de quinta-feira (28) “Processos e fundamentos da criação” reuniu três fortes reflexões sobre o ato de criar e de que maneira isso se dá diante das contradições e dos constrangimentos e inquietações do mundo. Com mediação da crítica e pesquisadora Kênia Freitas, o debate contou com a escritora e roteirista Ana Maria Gonçalves, com a dramaturga, diretora e atriz Grace Passô e com a cineasta Lívia de Paiva.

Citando o roteirista mexicano Guillermo Arriaga, Ana Maria descreveu a criação como a alegoria do desconhecido. “O Arriaga fala desse conceito do artista como aquele que entra no mais profundo de uma floresta que ninguém nunca entrou, encontra alguém que ninguém nunca encontrou e volta para contar uma história que ninguém nunca contou. Essa é a imagem do processo criativo pra mim. A floresta sou eu entrando no interior de mim mesma, ouvindo um eu com quem nunca conversei e, disso, juntar as indagações num determinado enredo numa forma de questionamento que vou levar à sociedade na qual estou inserida”, detalhou ela. “Acredito no processo artístico como algo em que estamos o tempo todo se questionando a partir do que se faz e como se faz”.

Grace Passô apontou a materialidade do corpo como elemento essencial nesse mesmo processo, que se complementa ao mental e racional para levar o pensamento diretamente à epiderme. “O corpo vivo, o ser-atriz, obriga a lidar com as questões, as grandes reflexões, as filosofias do nosso tempo, os grandes paradigmas, através da ação. Esse dado, que tem a ver com a carne, sempre foi muito definitivo pras coisas que sucederam na minha vida em relação à arte eu quero fazer”, contou Grace, cuja trajetória de atriz se firmou entre o teatro e o cinema ao longo dos últimos anos. “Existe sempre um corpo que precisa fazer acontecer, e isso me ajudou na noção de que, para além de tantas referências, métodos ou criatividade, é preciso criar modos objetivos pra que aquilo caiba num corpo, é preciso dialogar com o corpo”.

Com o curta “República” na programação da 24a Mostra de Tiradentes, Grace afirmou que essas ideias do corpo como propulsor da criação não é só relacionado à presença física imediata, como o teatro, e sim se expande também às imagens ou a quaisquer circunstâncias em que o ser-atriz que ela cita se manifeste. “É a ideia da atriz como aquela pessoa que media uma série de funções e processos criativos com seu corpo tendo a ideia de um público. Tem um conceito que eu gosto muito: um ator ou uma atriz é aquele que transforma o que já existe”.

Pegando a formulação do próprio debate como ponto de reflexão (“O que a imaginação tem sedimentado em termos de uma forma e uma ética das imagens?”), Lívia de Paiva, diretora de “Tremor Iê”, propôs uma inversão na pergunta: como a ética e a forma sedimenta a imaginação? “Me interessa pensar nessa inversão porque desejo, gosto, comportamento, autoestima, a forma como a gente se relaciona com as pessoas, com os filmes e com os lugares, tudo isso são também fruto das imagens que chegam até nós. Não apenas fruto de uma conformação ou delimitação delas, mas elas compõem isso tudo”, afirmou. Lívia se referia a imagens em sentido amplo, não só a filmes, e sim “àquilo que o olho vê, que a gente ouve, que a gente vive e que se expande pras narrativas”.

Lívia acredita que, ainda que sejam as mesmas imagens a chegarem a toda uma gama de pessoas, cada indivíduo recebe esse estímulo à sua maneira, formando as subjetividades. E, dessas subjetividades formadas, tem-se um certo retrato social baseado naquilo que foi, de certa forma, propagandeado por imagens desenvolvidas historicamente de formas muitas vezes conservadoras, pouco diversas e pouco inclusivas. “Tenho cada vez mais pensado em como representar a frustração, em como a falha aparece nas narrativas e como elas lidam com isso, sendo elas composição e influência sobre a gente. Pensando no ‘perigo da história única’ de que trata a Chimamanda Adichie, se essas imagens não fossem hegemônicas, o mundo ia ser outro. Se elas não aderissem a cartilhas, receitas, modelos, limitações – que, no fim, são a falta de relação com o real -, elas já poderiam transformar alguma coisa, pois seriam sobre outras formas de ser”.

Uma fala de Grace Passô se relacionou aos apontamentos de Lívia a partir de sua maneira pessoal de se relacionar com a criação: “Fazer arte é um sistema de escape das situações aprisionantes que a gente vive. E o tempo que a gente vive é indissociável do que a gente cria. (A criação) Tem a ver com uma revolta muito grande, é direcionar um ódio particular que a vida nos gera, de criar formas de amor, de olhar outros lugares, tem a ver com a ideia mais comum da poesia, de ler as coisas para além do que já esteja dado”.

No caso de Ana Maria Gonçalves, esse caminho tem ainda a ver com construção de identidade e com a formação de um quebra-cabeça sobre quem somos no mundo. “Não quero trabalhar respostas com a arte que eu faço, e sim perguntas. Faço isso através de enredos e personagens que incomodam na construção ética do mundo que me rodeia e em como isso pode ser transferido para a vida e adquirir significado social”.

 

Projeção #CineCBMM na rua da Bahia com Alvares Cabral – Foto Jackson Romanelli/Universo Produção

– Arte: #CINECBMM

Nos dias 28, 29 e 30 de janeiro, de 19 às 21h, foi realizado o #CineCBMM que vai colocar a Mostra Tiradentes no coração da capital mineira com projeções no prédio que fica na esquina da Rua da Bahia com a Avenida Álvares Cabral

“Minha vida é essa, subir Bahia e descer Floresta”. O mais célebre verso do cronista e compositor Rômulo Paes eternizou uma das esquinas mais famosas da capital mineira. E esse cruzamento da Rua da Bahia, berço cultural da capital, com a Av. Álvares Cabral, foi escolhido para sediar esse encontro digital dos belo-horizontinos com a tradicional Mostra de Tiradentes.

Nos dias 28, 29 e 30 de janeiro, das 19 às 21 horas, o projeto #CineCBMM vai colocar a 24aMostra de Cinema de Tiradentes no coração da capital mineira, com a realização de projeções, que poderão ser assistidas das janelas, respeitando o isolamento social. A iniciativa visa valorizar e disseminar a riqueza brasileira da nossa cultura, história, personagens e produção cinematográfica.

A projeção na fachada de um prédio promoverá a exibição de vídeos que apresentam o charme da Mostra, mini documentários que apresentam o processo de criação de artesões e artistas de Tiradentes e trechos de filmes.

Interativa e conectada com o público cinéfilo, a projeção dará vida àqueles comentários que os visitantes costumam ouvir nos intervalos das atividades ou na fila do pipoqueiro. Além disso, interações recebidas no perfil da CBMM no Instagram @cbmm_oficial também vão ser compartilhadas na projeção.

Para Raquel Hallak, diretora geral da Universo Produção e coordenadora da 24a Mostra de Cinema de Tiradentes o #cineCBMM é uma iniciativa que amplia as janelas e conexões do evento e da CBMM com a cidade de Tiradentes, com a capital mineira e com Minas Gerais ao oferecer uma programação inédita e de vanguarda que valoriza artistas e realizadores, que oferece entretenimento num momento que a cultura tem sido a grande companheira das pessoas em tempos de pandemia e isolamento social”.

 

 

Confira todos na íntegra:

 

*O Prodview agradece à organização da Universo Produção pelos materiais aqui disponibilizados.

 

 

 

 

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