26a MCT: “As oficinas são uma contrapartida social”, diz o ator Guga Coelho, que também comenta o cenário audiovisual

O ator Guga Coelho foi o instrutor responsável pela oficina Iniciação Audiovisual – Criando Futuros Artistas, que foi uma oportunidade aos jovens de 12 a 17 anos conhecerem o universo audiovisual e todas as áreas necessárias para a produção de um filme. Eles apresentaram um curta no fim da programação da Mostra Tiradentes, o Cão Guru, que emocionou a plateia pela simplicidade e mensagem de que é possível fazer audiovisual apenas com “amor”. 

 

Confira a entrevista com o ator e sua experiência com a oficina ministrada na Mostra.

Prodview: Eu queria que você explicasse um pouco mais da oficina, de onde surgiu essa ideia, porque falar de futuros talentos, qual é a importância disso?

Guga Coelho: A ideia da oficina surgiu dessa necessidade de que eu tenho reparado dos artistas de se manifestarem para além das obras comerciais. De tirar de dentro, transformar em obra de arte, como uma forma de tentar consertar e ajudar e transformar a sociedade. Eu acho que falta muito isso no artista, tem muito artista e falta muito isso, lugares de exibição e de veiculação comercial dessas obras de arte que eu chamo de filmes sociais, em detrimento do filme de mercado.

A ideia da oficina nasce do desespero que abateu a classe depois de 2016, então assim, eu sempre vivi de cinema, que é diferente de você fazer cinema e viver dele. E eu não pego dinheiro público. Eu sou um cara que é defensor do cinema independente, do cinema de guerrilha, mas mesmo assim eu sempre consegui viver de cinema, não só meus filmes, mas trabalho com roteiro e como ator também. Mas com a pandemia, o cenário se agravou. 

Eu tive que me reinventar, então procurei duas vertentes: a literatura, eu lanço um livro agora na livraria da Travessa no Leblon, quinta, 9 de fevereiro.

Ele se chama Pequeno Deus Rei. É muito legal. É sobre um cara que foi abduzido e entregue na terra errada.

A outra vertente foi criar uma oficina, para dar vazão a uma coisa que eles sempre me pediram muito. Eu trabalhei 10 anos no Rio das Pedras, uma comunidade lá onde eu atuava num centro cultural e dava aula de teatros, cursos técnicos, foi uma época muito boa, antes de virar escritório do crime, essas coisas, quando lá era uma comunidade, ainda é na verdade, os moradores não merecem serem chamados de cidade do crime, não é porque fazem coisa errada lá é que todo mundo é criminoso.

Aí lá eu desenvolvi esse gosto por dar aula, porque sempre que um professor meu faltava, era eu que tinha que cobrir a aula e sempre me pediram muito esse tipo de oficina e na pandemia eu vi a possibilidade de fazer com a internet, porém acabou que veio no festival direto, então eu nem fiz online, e talvez eu nem faça mais, porque como a pandemia tá melhorando, foi só uma chuva que eu passei mesmo, até porque o milagre que aconteceu hoje, o que eles fizeram, você vai assistir o filme e vai ver, acho difícil que se repita em outras edições, porque a turma que eu juntei aí foi incrível, eles são extraordinários, estão de muito parabéns e eu estou muito orgulhoso deles.

 

Prodview: Então essa oficina você nunca ministrou ela? Foi a primeira vez? E pode ser que talvez ela não acontece novamente? 

Guga Coelho: É, porque o artista, que nem eu, que vive do cinema, a gente planta várias sementes e não sabe quando irão brotar, hoje brotou a da oficina, mas se amanhã brotar o do meu novo longa, que estou querendo fazer sobre as manifestações de 2013 e estou captando dinheiro, aí eu vou para filme. E daí é assim, daqui a pouco aparece uma novela, ou outro filme para fazer e se puder, eu adoro.

Para mim, esse festival (26ª Mostra de Cinema Tiradentes) é o mais importante hoje, por conta do Fórum, por conta do momento político e essa edição é uma coisa extraordinária, o pessoal é muito legal.

É sempre bom se juntar com intelectuais, com pessoas que pensam no cinema e principalmente no cinema brasileiro e principalmente que vivem do cinema e daí tem a obrigação de lutar pelas nossas salas, contra a dominação estrangeira, contra a naturalização da ostensiva presença dos filmes americanos na nossa cultura.

Então é um lugar para se pensar nisso.

Eu queria aqui , agradecer a Denise, a Raquel, a toda essa galera do festival , porque o que elas fazem com essas oficinas, com o festival, com as amostras, com os filmes… É uma contrapartida social, ela tá devolvendo para o público o que é do público. Isso não tem preço, é o mínimo, que a gente do cinema, que pega tanto dinheiro para filmar, não todos nós , porque 5% dele fica com as produtoras brasileiras no regime de São Paulo, todos nós pegamos dinheiro. Mas é uma indústria que mexe muito com o dinheiro público, então é natural, e não só natural mas sim obrigação moral que se devolva para o público que é o financiador e que isso continue a reverberar a ponto de abaixar os preços dos ingressos para a gente formar plateia, porque as pessoas não estão mais vindo, não estão mais levando as pessoas.

Acho que a pandemia afetou culturalmente esse hábito que tínhamos, então o que o pessoal do cinema puder devolver à sociedade ele tem que fazer.

A 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes devolveu e fez devolver com uma beleza incrível. Eu já fiz muitos festivais na minha vida e nunca havia visto um como esse aqui. 

 

Prodview: Essa mostra tem um clima de renovação, de esperança, depois desses últimos anos, eu sinto que o fórum veio como uma forma de coroar isso, né?

Guga Coelho: É, mas também é importante a gente manter o pé no chão e entendo o seguinte, duas coisas fundamentais: Lei de incentivo, Lei Rouanet foram criadas há 30 anos, é normal que uma lei que foi criada há tanto tempo atrás, que trate de um assunto, que é o entretenimento, que muda tanto os meios de produção, as janelas de produção estão sempre mudando, ela seja revista, então não é um bicho de 7 cabeças você analisar e melhorar o que é bom fica e o que é ruim sai.

E outra coisa, a gente não estava bem no último governo, não estava. É bom que as pessoas entendam isso. A gente produz 150 filmes e 10% fazem a totalidade no bilhete e 100 filmes você nunca escutou falar.

Então a gente tem problema de distribuição, veiculação e exibição, e é um problema constitucional. Esses filmes são informações e é dever do governo levar informação ao seu público e o poder constitucional não está sendo cumprido.

O que acontece é o seguinte: a gente estava numa coisa de consertar isso, a gente perdeu esse tempo, então a gente vai voltar daquele tempo que precisava consertar para que não se confunda, viemos para um deserto cultural, que foi horrível, com o governo Bolsonaro, mas vamos voltar do ponto onde a gente parou, para não acharmos que estava tudo uma maravilha, porque não estava, para nós, que fazemos um cinema independente engajado socialmente e que pretendemos com o cinema transformar a sociedade, usar ele para criar a cidadania, autoestima, fazer um soft power brasileiro, que nem o Estados Unidos faz com o deles, que não é nenhuma novidade, só que ao invés da gente ficar bajulando o deles, criarmos uma proteção a nossa própria sociedade, criar um patriotismo.

Estados Unidos faz muito disso, qualquer filme tem uma bandeira americana, criar os nossos vilões, para eles é estratégico. O cara que toma conta do entretenimento nos Estados Unidos, ele senta do lado do presidente americano na sala oval e aqui a gente destruiu o Ministério da Cultura, então é um contrassenso muito grande, mas a gente precisa colocar cada vez mais gente que realize, pessoas que fazem, não adianta burocratas que nunca pisaram no set para decidirem coisas que nós vivemos no cotidiano e sabe que não é daquela maneira.

Saiba mais sobre a 26ª edição da Mostra de Cinema Tiradentes em nossa cobertura completa.

*Texto produzido com a colaboração de Fabiane Watanave.

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