18a CineOP: Inédito há décadas, comédia “Uma Nêga Chamada Tereza”, de 1973, foi exibida na mostra, com Jorge Ben em papel duplo e cortes da censura militar
Depois de décadas sem ser exibido, a comédia “Uma Nêga Chamada Tereza”, filme dirigido por Fernando Coni Campos e lançado em 1973, teve uma sessão especial de resgate na programação da 18ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto. O longa-metragem é protagonizado pelo cantor Jorge Ben e foi realizado num contexto de época em que músicos de grande popularidade eram chamados para serem personagens principais em filmes nos quais eles faziam versões ficcionais de si mesmos (o caso mais conhecido é o de Roberto Carlos e sua trilogia dirigida por Roberto Farias nos anos 1970).
A pesquisadora Isabel Mello apresentou a sessão, realizada no Centro de Convenções da UFOP, relembrando que Coni Campos, cineasta reconhecido por filmes reflexivos e existenciais, foi procurado pela produtora Aurora Duarte com o roteiro pronto, já pensado como veículo para Jorge Ben. Diversos problemas e desentendimentos de produção provocaram a insatisfação do realizador com o resultado do trabalho. “O Coni se dizia chateado porque não teve ingerência no corte final e não gostou de como o filme acabou sendo feito”, disse Isabel.
Coni Campos faleceu em 1988 e foi representado, em Ouro Preto, por seu filho, o músico Ruben Campos. Ele relembrou a dificuldade do pai em ter autonomia no projeto de “Uma Nêga Chamada Tereza” porque o contrato não permitia mudanças no roteiro – que ele considerava ruim. A gravidez da atriz Pepita Rodrigues antes das filmagens acabou forçando a produção a alterar alguns rumos da história, e Coni aproveitou para inserir novos personagens que dessem outros fluxos ao enredo.
Lançado no ápice da ditadura militar, o filme sofreu cortes da censura federal. “A ditadura não deixou passar muita coisa que falava de racismo, o governo queria manter a falsa ideia de que questões raciais era coisa dos EUA, não do Brasil”, contou Ruben Campos. Segundo o filho, Fernando Coni cogitou retirar o próprio nome do filme, por não ter nem visto a montagem definitiva, mas acabou mantendo. “Assistindo hoje, percebemos muitas questões atuais, até mais do que na época em uma série de camadas”, pondera.
Em “Uma Nêga Chamada Tereza”, Jorge Ben interpreta a si mesmo e também a um sósia do cantor Jorge Ben envolvido numa série de confusões para levá-lo a um festival de música. O elenco tem ainda Antonio Pitanga como um homem vindo da África para ensinar aos brasileiros de que forma pensar a cultura e relevância negra no país.
*Texto produzido com a colaboração de Fabiane Watanave.