Festival na Chapada dos Guimarães (MT) contribui para o protagonismo feminino no audiovisual
O VI Festival Tudo Sobre Mulheres, realizado entre 5 e 9 de setembro, na Chapada dos Guimarães (MT), teve além da exibição de obras audiovisuais na Mostra Competitiva, apresentações de música, teatro, dança, rodas de conversa, Mesa sobre Protagonismo Feminino no audiovisual e oficina de Boneca Abayomi. Foram exibidos 32 curtas, 21 deles dirigidos por mulheres de todo o Brasil.
A programação recebeu ainda um curso sobre “Teoria Geral de Séries”, ministrado pela roteirista Julia Priolli (FOX Brasil).
De acordo com os realizadores, o principal objetivo do evento é estimular a produção audiovisual que aborde a questão feminina, não importando o sexo dos realizadores.
Tudo Sobre Mulheres ainda contribui com a urgente necessidade de descentralização da produção cultural, ao sair do eixo Rio-São Paulo e levar o cinema para o interior do Brasil, Chapada dos Guimarães – patrimônio ambiental da humanidade.
Destaque para o protagonismo feminino
A mesa “Protagonismo Feminino no Audiovisual” teve a participação da diretora da ANCINE, Débora Ivanov; da diretora de Programação e Produção da EPC/TVPE, Cynthia Falcão; produtora e homenageada desta edição, Sara Silveira (Dezenove Filmes); da atriz e produtora Maria Ceiça; da consultora e gestora Vera Zaverucha e da roteirista Julia Priolli. A mediação ficou por conta de Danielle Bertolini, uma das curadoras do festival.
Para Cynthia Falcão, é essencial o debate sobre esse tema. “As mulheres que atuam no Audiovisual brasileiro, tanto em funções técnico-artísticas, quanto em gestão e representação política, não tem seu protagonismo projetado tanto quanto os homens que atuam nas mesmas atividades. Assim como em outras esferas da sociedade, a participação de mulheres em posição de liderança no audiovisual é conquistada com muita dificuldade e tem muitas vezes suas vozes controladas, seus empenhos ainda mais observados. Apesar de crescente, a atuação de mulheres em posição de comando no audiovisual precisa ser reforçada e receber a devida importância como parte de uma política pública que se propõe sustentável e necessariamente equânime nas condições de gênero”, disse.
O grupo reunido decidiu redigir uma “Carta Aberta” direcionada a ANCINE e a todo o mercado audiovisual, para registrar a conversa sobre aquele momento entre filmes e falas, a reflexão sobre o reconhecimento, a identificação, o incentivo e a noção de o quanto a união feminina é importante para que se ocupe espaços e neles se permaneça. (veja abaixo**).
A origem do Encontro
O nome “Tudo Sobre Mulheres” foi inspirado no filme Tudo Sobre Minha Mãe, de Pedro Almodóvar, cineasta que sabe como poucos retratar o universo das mulheres.
Homenagem
O encontro homenageou Sara Silveira, produtora dos longas As Boas Maneiras, Mãe Só Há Uma, Ó Paí, Ó e Era Uma Vez Eu, Verônica.
Premiados
Formado pela especialista em políticas públicas para o audiovisual Vera Zaverucha, atriz e roteirista Julia Katharine, a mestre em estudos de cultura contemporânea Juliana Segóvia, a atriz e apresentadora Maria Ceiça, o cineasta Amauri Tangará, e o doutor em Comunicação Social Leonardo Esteves, o júri escolheu:
– Melhor Filme (Prêmio O2 Play e O2 Pós): Embaraço, de Mirtes Agda Santana;
– Melhor Curta (Prêmio Cia Rio e Coletivo C/as4tro): Peripatético, de Jessica Queiroz;
– Melhor Média (Prêmio Cia Rio): Estamos Todos Aqui, de Rafael Mellim e Chico Santos;
– Melhor Documentário (Prêmio Cia Rio): Tia Ciata, de Mariana Campos e Raquel Beatriz;
– Melhor Filme CONNE (Prêmio Mix Estúdios, Mistika Post e Bússola Brasil): Simbiose, de Julia Amorim;
– Melhor Filme FAMES (Prêmio Mix Estúdios, Mistika Post e Bússola Brasil): Divina Luz, de Ricardo Sá;
– Melhor Filme RJ/SP (Prêmio Mix Estúdios, Mistika Post e Bússola Brasil): Demônia – Melodrama em Três Atos, de Fernanda Chicolet e Cainan Baladez;
– Melhor Filme Universitário (Prêmio Academia Internacional de Cinema): A Gente Nasce Só de Mãe, de Caru Roelis;
– Prêmio Aquisição Elo Company: Embaraço, de Mirtes Agda Santana;
Além da premiação prevista, o júri outorgou mais três prêmios:
– Melhor Atriz: Ana Flavia Cavalcanti, protagonista do filme Rainha;
– Melhor Direção: Carla Saavedra Brychcy (O Espírito do Bosque);
– Menção Honrosa ao Filme Tetê, de Clara Lazarim.
**Carta Aberta resultado do encontro “Protagonismo Feminino no Audiovisual”
Após oito anos de hiato, o Festival Tudo Sobre Mulheres retomou suas atividades, promovendo a mesa Protagonismo Feminino no Audiovisual, realizada no dia 8 de setembro de 2018, em Chapada dos Guimarães (MT). Nela estiveram presentes profissionais mulheres de diversas áreas do audiovisual e juntas produzimos esta carta aberta, propondo políticas e contrapondo-nos publicamente às ações implementadas recentemente, as quais contribuem para a manutenção de um sistema excludente, que não representa a diversidade cultural , ambiental, econômica e ecológica do Brasil continental e que não leva em consideração a maioria de sua população, seja indígena, negra, mestiça, além das mulheres trans e travestis.
Observamos o seguinte:
1 – Sobre o Sistema de pontuação do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).
O atual sistema de pontuação exclui as iniciativas de produção cinematográfica destas comunidades e coletivos de cinema já que estabelece critérios que privilegiam empresas e profissionais já estabelecidos na indústria e com alto desempenho comercial em salas de exibição, ou mesmo participantes de festivais que estas mesmas comunidades não têm acesso.
Desta forma, as atividades de produtoras iniciantes, mesmo com obras produzidas em regime de co-produção, são excluídas. Não levando em consideração a trajetória de curtametragistas e o potencial artístico e inovador dessas obras, nunca teremos chances de alcançar a pontuação necessária.
Este sistema desconsidera os dados recentes publicados pela área técnica da Ancine, que evidenciam a presença majoritária de homens brancos na produção audiovisual, e a marginalização flagrante de mulheres. Além de pontuar diretores já falecidos, e privilegiar produtoras concentradas no eixo RJ/SP evidencia uma política que elitiza, segrega e não contribui para o surgimento, descoberta e amadurecimento de novas realizadoras, nem para a democratização dos recursos públicos. Como exemplo, observamos, analisamos e discutimos o edital Fluxo Contínuo de Cinema, que publicou recentemente a pontuação das produtoras registradas na Ancine, aptas para captar recursos do FSA. No próprio edital de concurso para produção de longas, onde pareceu terem sido utilizados estes critérios, já percebemos claramente as exclusões.
2 – Sobre a necessidade de Políticas Afirmativas
Com a implementação de cotas em todos os editais do FSA, inclusive no edital de fluxo contínuo para produção de cinema, onde privilegia-se a quantidade de obras lançadas, e o desempenho comercial dessas obras, entendemos que as políticas afirmativas ainda não são suficientes ou mesmo capazes de diminuir as assimetrias existentes. Tendo em vista a comprovada desigualdade de gênero, cor e etnia dentro do setor audiovisual, ressaltada pelos dados publicados pela própria Ancine, constitui-se um edital antidemocrático que não representa os anseios crescentes desses setores da sociedade civil.
Propomos a revisão da metodologia de atribuição de pontuação, e a implementação de um sistema de cotas que considere o desempenho pregresso de produtores iniciantes, como expressão de sua região, onde se acrescenta o potencial da própria linguagem cinematográfica. Desse modo, não se restringindo apenas à trajetória comercial dos filmes, mas também, considerando a contabilização de plateia em diversas plataformas, tais como: internet e redes sociais, cineclubes, festivais, etc.
3- Sobre a implementação de Políticas Inclusivas e Formativas
Que considerem a representatividade feminina, com a participação efetiva de mulheres no comitê gestor e no comitê de investimentos do FSA, assim como nas comissões de seleção de todos os editais com recursos públicos em que haja presença de pessoas do setor audiovisual.
Propomos desta forma a implementação de ações formativas que valorizem a capacitação de mulheres em åreas técnicas do audiovisual como cargos de autoria, direção, direção de fotografia, técnica de som, montagem e gestão.
4 – Sobre o mercado cinematográfico no país
Foram apresentados alguns dados resultantes do Levantamento da Agência Nacional de Cinema- ANCINE tendo como base os 142 longas-metragens brasileiros lançados comercialmente em salas de exibição no ano de 2016. Segundo o qual, são dos homens brancos a direção de 75,4% dos longas. As mulheres brancas assinam a direção de 19,7% dos filmes, enquanto apenas 2,1% foram dirigidos por homens negros. Nenhum filme em 2016 foi dirigido ou roteirizado por uma mulher negra.
Diante do exposto, requeremos imediata revisão nos critérios de pontuação e seleção, tendo por princípio normativo a equidade de gênero, étnico-racial e regional. Tal manifestação pauta-se nas lutas históricas protagonizadas pelas mulheres em sua diversidade e manifestamente publicizadas nos diferentes contextos sociais e políticos – nacional e internacional.
Assinam:
Keyci Martins (produtora, diretora MA)
Júlia Morim (diretora, PE)
Glória Albues (roteirista, diretora MT)
Marta Catunda (consultora, escritora,MT)
Regina Belfort (produtora, diretora Eco Turismo Cultural em Chapada dos Guimarães)
Marla Silveira (produtora e documentarista, São Luís/MA)
Maria Fernanda Miranda (pesquisadora em dança, vídeo dança, Goiânia Goiás/Campinas São Paulo)
Giulia Kochmanski Prati (montadora e animadora, São Paulo – SP)
Cecilia Barroso (crítica de cinema, Brasília/DF)
Elaíze Farias (jornalista e cofundadora da agência Amazônia Real)
Danielle Bertolini (Diretora do Tudo Sobre Mulheres)
Isabela Ferreira (Diretora e Produtora – MT)
Clara Lazarim (Diretora, Montadora e Assistente de direção São Paulo/SP)
Maria Ceiça de Paula (Atriz e Realizadora – RJ)
Sara Silveira (Produtora Dezenove Filmes – SP)
Vera Zaverucha (Gestora e Consultora Audiovisual – RJ)
Julia Katharine (Atriz e Realizadora – SP)
Francieska Dinarte (Produtora – MT)