Temática e Mostra Histórica: “Televisão: O que foi, o que é e o que ainda pode ser”
Debates
Na Temática Histórica da 15ª CineOP, o curador Francis Vogner dos Reis apresentou a “Televisão: O que foi, o que é e o que ainda pode ser”, como eixo central das discussões. No ano que a TV brasileira completa 70 anos, a proposta foi refletir sobre formas de disputar esse território do audiovisual e seu modelo ainda forte e hegemônico, tanto no que diz respeito à produção e ao direito à informação, à expressão do imaginário e da representatividade comunitária e regional, quanto em relação à educação (como as TVs públicas, fortes mundo afora), à abertura a novas experimentações com a tecnologia audiovisual e à difusão livre e diversa de nossos bens culturais.
No debate “TV, Pós-TV e Outras Telas”, a pesquisadora Christine Mello, o jornalista e diretor de televisão Gabriel Priolli e a cineasta Petra Costa, discutiram sobre as mudanças na televisão nos últimos 40 anos, as convergências com o cinema e outras artes, até as tecnologias atuais que podem mudar o modo de difusão de comunicação, arte e entretenimento.
Outro tema em discussão foi “Cinema, Televisão e Comunicação Popular”, com a participação de Luara Dal Chiavon, da Brigada de Audiovisual Eduardo Coutinho – MST; Paulo Alcoforado, consultor para empresas da economia criativa, ex-diretor da Ancine e ex-coordenador executivo dos Programas DOCTV no Brasil e no exterior; e Valter Filé, professor e ex-coordenador da TV Maxambomba, a mesa discutiu a experiência das TVs comunitárias e iniciativas para o cinema importantes na televisão nas últimas décadas, avaliando os desafios políticos para a efetivação do direito à informação e a necessidade de disputa com a mídia tradicional do imaginário do grande público.
MOSTRA HISTÓRICA
A CineOP visou refletir de que maneira um veículo de comunicação de massa efêmero e dispersivo teve, ao longo do período, momentos de invenção e ousadia que permanecem referenciais no audiovisual. O recorte feito pelo curador Francis Vogner dos Reis atravessou os últimos 40 anos com objetivo de pensar parte da intrincada trama que nos trouxe até este momento político, social e midiático em que estamos.
Assim, o destaque foi para programas e iniciativas que quebraram a linguagem mais convencional trabalhada pela TV nesses anos todos, totalizando 17 produções.
Produções estas feitas para consumo doméstico que, de tão singulares, hoje soam como criações modernas e de vanguarda. Um caso forte é a atuação de cineastas com trajetórias importantes na televisão no fim dos anos 1970 e início dos 80, em especial no “Globo Repórter” entre 1975 e 1979. A CineOP resgatou duas reportagens dessa época que se tornaram marcos: “Theodorico, o Imperador do Sertão” (1978), de Eduardo Coutinho; e “Wilsinho Galiléia” (1978), de João Batista de Andrade.
Outro exemplar diretamente dos canais abertos, “Os Arara” (1980-81) seria um documentário para a TV Bandeirantes, mas o diretor Andrea Tonacci se desentendeu com a emissora. O projeto permaneceu e se tornou referencial na abordagem de comunidades e vivências indígenas e no impacto da Transmazônica em grupos isolados.
Destaque para a TVDO
Destaque especial da Mostra Histórica em 2020, a TVDO foi iniciativa de um coletivo de São Paulo que apostou na radicalidade estética, em sua condição de vídeo, na suspensão de fronteiras entre arte, comunicação, cinema e poesia, na metalinguagem e no humor corrosivo e disruptivo. Os vídeos selecionados para o espectador da CineOP conhecer a TVDO foram: “Mocidade Independente” (1982), episódio de programa para a TV Bandeirantes; “Quem Kiss Teve” (1983, FOTO), piloto de um programa que não foi continuado; “Avesso Festa Baile” (1984), episódio de programa da TV Cultura proibido de ser exibido na época; e “Heróis 2” (2003), um de seus últimos e mais significativos trabalhos e que integra um projeto iniciado ainda em 1987.
A TVDO é uma produtora paulista formada por Tadeu Jungle, Walter Silveira, Ney Marcondes, Paulo Priolli e Pedro Silveira.
E mais
A ABVP (Associação Brasileira de Vídeo Popular) chegou a agregar 250 organizações, entre elas a TV Viva, de Olinda, e a TV Maxambomba, do Rio de Janeiro, que estarão com trabalhos em exibição na Mostra. A TV Viva retratava a realidade cotidiana dos bairros de Olinda, exibindo esses trabalhos em telões que circulavam por Recife. Os vídeos na CineOP são “Amigo Urso” (1985), que faz humor com a pergunta “todo brasileiro é corno?”, questionada ao acaso pelas ruas; e “Brasilino” (1985), no qual dois repórteres conversam, de maneira irreverente, com várias pessoas questionadas sobre os rumos do Brasil no pós-ditadura.
Por sua vez, a TV Maxambomba, na Baixada Fluminense, fomentou o projeto de TV comunitária ao mobilizar os moradores da região a produzirem vídeos tratando do cotidiano e de suas questões, com intuito de serem exibidos em praças públicas de 40 bairros. “Eleições Lindomar Ribeiro” (1990) e “Um Preto Velho Chamado Catoni” (1998), com suas provocações na política e na sociedade, trafegando entre a realidade e a ficção, são exemplos do tipo de produção que a Maxambomba realizava.
“Entre a segunda metade dos anos 1980 e final dos 90, a Maxambomba circulou com uma kombi e equipamento de som e de exibição por cidades da periferia do Rio de Janeiro”, conta Valter Filé, ex-coordenador da iniciativa. O esforço era reverter o encolhimento do espaço público e o esgarçamento do comum de cada comunidade de periferia que estava sendo oprimida pelas instâncias de poder ainda na ditadura militar – não por acaso, a emissora comunitária surgiu no começo da redemocratização. Se os canais comerciais tinham se consolidado justamente na ditadura, a Maxambomba, com seu enfoque nos bairros e nos moradores, era uma resposta à hegemonia de quem ocupava a escala nacional. “A população da Baixada Fluminense podia debater coletivamente suas questões a partir de outros lugares e perspectivas que escapavam dos conglomerados”.
Já os filmes “TV Cubo 1 e 2” (1986 e 1987), de Marcelo Masagão, é a gravação de uma transmissão de TV pirata, e foi ao ar pelo da zona Oeste da cidade de São Paulo, que antes tinha feito interferências em canais convencionais como a TV Cultura e o SBT com um recado aos “tele humanos”. O experimento é original e sucede a experiência de Masagão na rádio anarquista Xilique no ano anterior.
Ainda integraram a Mostra Histórica “Avenida Brasilia Formosa” (2010), de Gabriel Mascaro; “Olho de Gato Perdido” (2009), de Vitor Graize; e “A Luta do Povo” (1980), de Renato Tapajós.
Foto arquivo TVDO – “Quem Kiss Teve”