Mostra contemporânea: diálogo com o passado para reconfigurar o presente

Nos longas e médias-metragens, com curadoria de Francis Vogner dos Reis, a CineOP chama atenção para a produção contemporânea brasileira que, de alguma forma, dialoga com o passado para reconfigurar questões do presente. Seja pelo documento, pela memória, pelo autoquestionamento ou pela reflexão de como materiais afetivos ou concretos ainda nos servem.

Inserido nas sessões Cine Vila Rica, “Cadê Edson?”, de Dacia Ibiapina, fala não só de um ataque da Polícia Militar a uma ocupação em Brasília, mas principalmente à maneira como a grande mídia (que, ao seu modo, constrói um tipo de memória do imaginário), trata esse tipo de situação. “Seres, Coisas, Lugares”, de Suzana Macedo, parte da literatura de Guimarães Rosa, em especial o conto “O recado do morro”, para buscar a realidade que o inspirou, tratando, assim de uma memória que está nas letras. Os Olhos na Mata e o Gosto na Água”, de Luciana Mazeto e Vinícius Lopes trazem para a tela as história de um passado distante em uma pequena comunidade no Sul do Brasil. “A Jangada de Welles”, de Firmino Holanda e Petrus Cariry, retoma a estada do cineasta Orson Welles no Brasil do começo dos anos 1940, mesclado a memórias do Estado Novo e da luta de jangadeiros por direitos trabalhistas.

Ainda que sem as sessões na Praça Tiradentes, em Ouro Preto, a CineOP manteve o Cine-Praça, mesmo que virtualmente, com filmes de temas e abordagens com diálogo imediato com o público. “Dorivando Saravá – O Preto que Virou Mar”, de Henrique Dantas, aborda conceitos da vida e obra de Dorival Caymmi através de poéticas praieiras concebidas a partir dos seus trabalhos de pintura e composição. “Banquete Coutinho”, de Josafá Veloso, parte de um encontro filmado com o diretor Eduardo Coutinho em 2012 e vasto material de arquivo para retratar as inquietações do realizador, que morreu dois anos depois. Também em pré-estreia, “O Filme da Minha Vida”, de Alvarina Souza Silva, a cineasta retoma a própria vida e trajetória para pensar a situação de crise do audiovisual no atual governo federal . Já o longa “José Aparecido De Oliveira – O Maior Mineiro do Mundo”, de Mário Lúcio Brandão Filho, Gustavo Brandão, documenta a trajetória do jornalista, deputado federal, secretário de Estado, ministro de Estado, governador e embaixador José Aparecido de Oliveira. Helen (FOTO)“, de André Meirelles Colazzo, apresentam o cotidiano e desejos juvenis.

Na Mostra Contemporânea de curtas-metragens, com curadoria de Camila Vieira, a seleção de 11 títulos se espalhou também pelos recortes do Cine-Praça, Cine-Teatro e Cine Vila Rica e abrangeu diferentes modos de manifestações de processos histórico-sociais nas imagens cinematográficas e suas relações entre passado e presente. Alguns realizadores fabulam narrativas que podem assimilar ou recusar as contradições do presente, outros buscam resgatar vestígios do passado pela manipulação de imagens de arquivo.

No Cine-Praça, filmes como “As Constituintes de 88”, de Gregory Baltz, ou “A Viagem de Seu Arlindo”, resgataram imagens e imaginários de tempos da história nacional ou da intimidade de personagens retratados para ressignificar seus próprios sentidos. “Dona Cila, Não me Espere para o Jantar”, de Carlos Segundo, foi feito no contexto da pandemia e reflete sobre o isolamento social pela chave da ficção científica. Por sua vez, “Mãtãnãg, a Encantada”, de Shawara Maxakali e Charles Bicalho, retrata rituais Maxakali através da animação.

Na sessão Cine Vila Rica, “Acabaram-se os Otários”, de Rafael de Luna e Reinaldo Cardenuto, e “Extratos”, de Sinai Sganzerla, se utilizam de fotografias e documentos para reconstituírem memórias audiovisuais de filmes e figuras importantes do meio. Questões da negritude e da memória negra aparecem em “E no Rumo do meu Sangue”, de Gabriel Borges, e “A Morte Branca do Feiticeiro Negro”, de Rodrigo Ribeiro.

Por fim, os curtas do Cine-Teatro trabalharam a abordagem de comunidades e culturas singulares representadas sobre outras possibilidades de olhar, casos de “A Fome de Lázaro”, de Diego Benevides, sobre as celebrações a São Lázaro, na Paraíba; “Abdução”, de Marcelo Lin, que retrata um morador da comunidade Aglomerado da Serra, na periferia de Belo Horizonte; e “Relatos Tecnopobres”, de João Batista Silva, que segue, como se num documentário, as ações dos guerrilheiros de uma comunidade subterrânea contra forças de repressão cyberburguesa.

Em parceria com a TV UFOP, a 15a Mostra de Cinema de Ouro Preto – CineOP apresentou ainda duas sessões de curtas-metragens brasileiros realizados em universidades, escolas de cinema ou núcleos de formação em audiovisual, que serão apresentados exclusivamente na TV UFOP.

Foto: Divulgação

Confira a cobertura completa da CineOP 2020. 

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