Mostra Tiradentes: temática “Corpos Adiante”, reflexos sociais e culturais das dinâmicas sociais

*Crédito da foto: Leo Lara/Universo Produção

O seminário “Corpos Adiante: perspectivas das curadorias” trouxe pontos de vistas dos curadores sobre a escolha da temática e como os filmes estão relacionados dentro da programação da 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes, que segue até 26 de janeiro.

Cleber Eduardo, coordenador curatorial comentou que a sua história pessoal teve grande participação nessa escolha. A sua companheira estava grávida na última Mostra e ter passado pelo processo de gestação e parto o fez olhar de outro modo para a relação com um novo “corpo”, isso somado ao processo conturbado eleitoral que viveu o País reforçou a perspectiva de falar sobre como somos privados e condenados sob vários pontos estéticos.

“Em um mundo onde corpos expostos são julgados, punidos e perseguidos pela sociedade civil e pelas forças oficiais, alguns corpos precisam se impor como estratégia de sobrevivência e de reafirmação da diferença”, reforçou.

Já o curador Victor Guimarães comentou ainda que os filmes da programação reforçam a urgência de inventar um futuro agora, no presente. Dentre os destaques, ele citou Ilha, de Ary Rosa e Glenda Nicácio, e Temporada, de André Novais Oliveira Alves Jr.

“Esses filmes parecem querer inventar possibilidades de um outro futuro possível sem ignorar a situação, mas com uma energia muito forte”, disse.

A curadora Camila Vieira fez um breve recorte dos curtas e comentou que muitos deles reforçam que não é mais possível dar conta das demandas da sociedade de modo individual. A busca pela coletividade e a recorrência de grupos lidando com as adversidades estão mais em pauta, aspecto também apontado por Pedro Guimarães durante a mesa.

Sobre o erotismo dos corpos e dos corações, a curadora Lila Foster também citou filmes onde o desejo de encontro na descontinuidade e a ideia de mergulho no outro está presente como Inferninho, de Guto Parente e Pedro Diógenes (que gira em torno de um encontro amoroso), além de Ilha que também que entrega uma esfera de quase luta dentro desse aspecto do romance que recomeça.

Tatiana Carvalho, que é curadora pela primeira vez em Tiradentes, falou como o cinema tradicional ainda reforça a imagem de “corpos” baseado em estereótipos e simplesmente “apaga” outros, como os negros e os trans. Ela citou dados de como esses públicos não estão representados no modo de se produzir cinema.

Dos 806 curtas inscritos na Mostra, por exemplo, 181 tem pessoas negras na direção, o que apesar de baixo, é representativo, já que em um levantamento realizado pela ANCINE em 2017 havia apenas 2% de filmes sendo dirigidos por homens negros.

“A necessidade de determinados corpos pressupõe a eliminação de outros, a necropolítica faz de um jeito que determina as condições de vida, permitindo genocídio de jovens negros na periferia e dando expectativa de vida para os trans nem torno dos 35 anos”, comentou.

É por esse motivo que se faz tão relevante abordar a temática dos Corpos, porque antes dos Corpos do cinema, há os corpos fora da tela e dos sets, há ausentes e secundários, fruto ainda de uma concentração de filmes sob direção de homens brancos, portanto a pluralidade em formato de resistência se faz cada vez mais presente.

 

“Ilha”

O seminário “Encontros com os Filmes” sobre o longa Ilha contou a presença do diretor Ary Rosa, Thacle de Souza e a crítica convidada Soraya Martins.

Eles comentaram que não podemos deixar de celebrar um momento como esse, em que tentamos nos articular coletivamente e afetivamente para combater formas de opressão e que o cinema é uma forma de expressão concreta que objetivamente reconfigura nosso olhar, dentro de um processo de reconstrução cotidiana.

Em Ilha, Emerson, um jovem da periferia, quer fazer um filme sobre sua história na Ilha, onde quem nasce não consegue sair. Ele sequestra Henrique e juntos reencenam a própria vida.

“O roteiro é um exercício de empatia, mas temos uma equipe que contribui muito e traz um lugar de responsabilidade e criação conjunta. Por conta de ser homem, mais velho, mas por outro lado ele é oprimido, então a gente queria trazer a tona isso, com três camadas entre os personagens Emerson, Henrique e o pai são três possibilidades dessa pluralidade, são três sensibilidades diferentes”, acrescentou o diretor.

“Lidar com o apagamento nos impõe estar dentro dessas rasuras e mostrar que não são únicas, é muito bonito ver gente preta produzindo e atuando, não há uma homogeneidade”, disse Thacle.

 

“Inferninho”

Deusimar é dona do Inferninho, um bar escuro e degradado, refúgio de sonhos e fantasias. Ela se apaixona por Jarbas, um marinheiro que vai mudar a sua vida e dos empregados do local.

“O corpo em Inferninho não é da ordem do orgânico, nesses corpos travestidos, montados, na dissonância entre a fantasia e a materialidade, desenha-se a tarefa de inventar, desde já, linhas de fuga”, comentou o curador Victor Guimarães.

A direção é de Guto Parente e Pedro Diógenes e a produção é da Marevolto com distribuição da Embaúba Filmes.

O crítico João Dumans elogiou o uso do melodrama como catalisador de emoções. “O movimento que o filme faz é de dar ao melodrama a possibilidade de aqueles personagens se expressarem. ‘Inferninho’ não faz isso só como referência, e sim leva a sério para a construção dos sentimentos”, afirmou.

Guto Parente contou que o filme partiu de um convite de parceria do Grupo Bagaceira de Teatro, cujos atores e atrizes aparecem no elenco do longa e colaboraram diretamente em sua feitura. O ator Rafael Martins, que faz o Coelho em “Inferninho” e é do grupo cearense, relembrou que a escolha pelo uso do artifício na construção dos dramas do filme foi pensado como elemento poético. “Esses artificialismos que vêm da fragilidade da imagem fala muito de nós mesmos e da nossa autoestima”, refletiu.

 

A gente tá no futuro

Os longas da Mostra Corpos Adiante habitam uma temporalidade que se lança ao passado para descobrir um futuro novo, assim completam a Mostra mais dois longas: Bimi, Shu Ikawa (documentário) e Corpo Quilombo (ficção).

 

Confira a cobertura completa

*A equipe viajou a convite do evento e teve parceria com a Agência Encontre Sua Viagem – Vila Maria (SP)

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