A presença de Grace Passô na Mostra Tiradentes: “Precisamos construir respostas”
*Crédito da foto: Leo Lara/Universo Produção
Atriz, diretora, escritora, artista…Grace Passô, a homenageada da 22ª Mostra Tiradentes, que ocorre até 26 de janeiro, engloba uma potência de percepções da arte e traz em si pautas e reflexões de muito valor no mundo contemporâneo. Ao longo de sua trajetória construiu trabalhos densos e retratou problemas sociais e é em tempos sombrios que sua imagem se faz necessária, com uma arte que é também resistência.
Grace é cofundadora do Espanca!, grupo em que permaneceu por 10 anos assinando a espetáculos que marcaram a dramaturgia, publicou seis peças teatrais, inclusive em outras línguas e já foi cronista do jornal O Tempo. No cinema, recebeu diversos prêmios, como de Melhor Atriz nos Festivais de Brasília e de Turim, por Temporada, filme presente na programação da Mostra. Ela escreveu a obra Vaga Carne e resolveu encená-la como monólogo em 2016 nos palcos e agora a peça chega às telonas como uma transcrição para o cinema.
Durante a programação da Mostra, Grace Passô marcou presença em diversos momentos: na abertura ao receber o Troféu Barroco e fazer a estreia mundial do longa experimental Vaga Carne; em seminários e debates sobre sua presença artística e política no cenário cultural e também no bate-papo sobre os filmes Vaga Carne e Temporada.
Além disso, participou ainda de uma coletiva especial para a imprensa e realizou durante uma performance musical “Grão da Imagem”, em parceria com o músico Barulhista, em que descreveu cenas reais e cinematográficas sem projetá-las no espaço, mas tentando fazê-las visíveis.
Grace Passô vive em trânsito contínuo entre as diversas atividades complementares no teatro e na presença progressiva como atriz.
“É uma mulher de arte que ultrapassa uma segmentação e vive em um bloco mais híbrido”, comentou a pesquisadora, historiadora e escritora que entrevistou Grace há 12 anos e refez algumas perguntas dessa mesma entrevista durante a Mostra.
“A voz dela resiste, ela trouxe fragmentos para provocar e começou a escrever muito jovem e trouxe experiências das linguagens artísticas como trabalho e experiência no mundo”, acrescentou a gestora cultural Aline Real.
Durante o seminário temático “A Presença de Grace Passô”, que contou com Aline Vila Real e Natalia Batista, além do cineasta mineiro André Novais (Temporada), foram abordados aspectos da trajetória de Grace entre suas passagens pelo teatro e cinema e percepções sobre os percursos e modos de suas criações.
“Eu tinha uma noção idealizada do texto teatral e para mostrar a potência e os valores, durante a criação, eu precisava torná-lo independente e isso foi algo que eu desmistifiquei: a premissa de que um texto precisa ter vida própria. Essa relação de pensar um texto de forma independente tem um pouco um desejo de que se alguém não viu, a leitura é suficiente, mas hoje tenho a impressão de que as inter-relações entre cena, texto teatral, mídia, estão indo pra outro local. A gente tende a pensar o texto teatral por outros caminhos, pelo o que significam as redes sociais, por tudo o que aconteceu após essa revolução tecnológica, a relação que existe hoje o texto mudou. A relação entre questões subjetivas, o coletivo, a sociedade e como a gente apresenta isso para a coletividade, o que o meu corpo diz e o que ele quer dizer, o que está por trás disso”, comentou Grace.
Vaga Carne
Vaga Carne é uma coprodução entre Grãos da Imagem, EntreFilmes e Universo Produção. A média metragem é uma transcrição da peça teatral de mesmo nome para a linguagem cinematográfica. O filme mostra uma mulher que vive a urgência do discurso, de renomear o mundo e nomear-se à procura de suas identidades e pertencimento.
[ATENÇÃO SPOILER] São oito minutos iniciais de tela preta apenas com falas de Grace. Isso para criar uma ambientação da sensação de vazio, que você pode ou não se conectar dentro da ideia do corpo em experimentação.
Grace comentou em coletiva de imprensa sobre o carinho que tem recebido após a exibição do longa na Mostra Tiradentes.
“O carinho vem de muitos lugares, de pessoas negras, de atrizes que estão numa circulação da arte que é menos visada e de pessoas que tem um pouco da trajetória que eu tenho. É uma galera que se identifica com a mesma relação que eu tenho com a arte. Quem é do cinema vem percebendo as reflexões que a militância negra opera no cinema”, disse.
Para ela a identificação com o filme ocorre de diversas maneiras, seja pelo tom da história, teor das palavras ou identificação com o corpo, mas que elas enxergam algo ou alguma sensação que faz com que o trabalho faça sentido para elas.
“O jogo que eu fiz com gestos e o falar com as mãos numa relação vertiginosa é uma linguagem teatral, a própria voz é uma linguagem realista dentro do filme”, ressaltou Grace.
Momento Político
Grace comentou durante vários momentos a perseguição em relação a arte que é uma estratégia do governo atual que sabe o quanto a cultura dissemina e pauta historicamente questões pertinentes em relação a política.
“Definitivamente o que não existe hoje é o desejo de reflexão, não se trata só de um governo que está aí, mas de uma força que vem se estruturando e se impor no Brasil de que estão moralizando o País, de muito teor conservador, que é perigoso para qualquer democracia”, ressaltou.
Para ela, é por meio da arte que temos a possibilidade de inserção de novos caminhos, vislumbrar novas alternativas para sair de caminhos antidemocráticos.
“Festivais como esse são de extrema importância que historicamente reúnem pessoas de locais diferentes que trazem muitos gritos e demandas. É lutar e ter consciência de que precisamos construir respostas como essas, que é a participação nos festivais e as nossas obras”.
*A equipe viajou a convite do evento e teve parceria com a Agência Encontre Sua Viagem – Vila Maria (SP).