Cinematografia independente busca em Tiradentes testar o risco em prol da qualidade
*Crédito da foto: Leo Lara/Universo Produção
A Mostra Olhos Livres, dentro da programação da Mostra de Cinema de Tiradentes, que tem programação até 26 de janeiro, traz sem pretensões um espaço aberto para ouvir e ver livremente, sem se aprisionar à rigidez de formatos pré-concebidos.
Com essa premissa de aposta para um cinema mais livre, arriscado e que tenta se institucionalizar dentro da irregularidade, a programação conta com seis longas: Calypso (Rodrigo Lima), Currais (David Aguiar) [Veja matéria especial sobre a produtora Além Mar Filmes], Parque Oeste (Fabiana Assis), Superpina: Gostoso é Quando a Gente Faz (Jean Santos), Tragam-me a Cabeça de Carmem M. (Felipe Bragança e Catarina Wallesntein) e Trágicas (Aída Marques).
“Os filmes não têm medo de empréstimos: a presença forte do repertório teatral em Tragicas, da música em Tragam-me a cabeça de Carmem M. ou das artes visuais em Calypso fazem jus aos trânsitos e contrabandos que atravessaram a história do cinema”, diz o curador Victor Guimarães.
Superpina
“Estou super feliz, espero que vocês também fiquem felizes com o filme. O longa é bastante divertido, é meu primeiro no formato e ele nasceu como um curta ano passado em Tiradentes”, disse o diretor em sua apresentação antes da exibição.
O filme trata do cotidiano de um pacato supermercado que é alterado por um fenômeno inexplicável da natureza: o céu piscante multicor. Entre as prateleiras e estoques, clientes e funcionários experimentam o “Amor Primo”.
Intimismo foi elemento-chave, sobre o qual o crítico Fábio Feldman apontou um contraponto entre o capitalismo, simbolizado pelo ambiente do supermercado onde parte da ação se passa, e o desbunde onírico dos personagens, em cenas de farra e orgias. Para o diretor Jean Santos, essa leitura tem a ver com o caráter musical que lhe inspirou a escrita do roteiro – inicialmente para um curta, depois, numa expansão do projeto, para um longa.
Tragam-me a Cabeça de Carmem M.
No filme, Ana, uma atriz portuguesa mergulha na crise política e identitária brasileira atual, enquanto se prepara para viver um ícone brasileiro em um longa-metragem.
“O Brasil foi perdendo linguagem e a nossa tarefa quando a gente fala que quer resistir, temos que pensar em que caminhos da linguagem, da fala e do corpo vamos usar. A Carmem foi um dos brasileiros de maior importância, extremamente inteligente e uma das grandes pensadoras. Ela acumulou referências de desobediência, colagem e construção de uma identidade para fazer menos o que esperam dela”, disse o diretor durante o bate-papo sobre o filme.
Para ele, ela foi uma expressão de uma artista que estava provocando todos os limites e foi ao limite máximo de sacrificar o corpo, um fardo que ela carregou sempre e que a acabou matando.
Sobre o título do filme, Felipe comentou que há um duplo sentido, dois imaginários, “a própria Ana (personagem) falando, tragam ela até mim, ou talvez seja a gente falando para se alimentar dela e a tragédia que estamos vivendo na política em que a extrema direita que quer cortar a cabeça de um Brasil feminista”.
Trágicas
Aída Marques, diretora de Trágicas, contou sobre suas escolhas para mostrar os relatos de várias mulheres vítimas do regime militar e das forças de opressão brasileiras, intercalados com a encenação de tragédias gregas. Ao lado dela, a pesquisadora Patrícia Machado ponderou que “a montagem do filme mostra que a fala das mulheres é tão forte que, quando entra a encenação, a sensação é de que a tragédia grega fica muito pequena diante dos depoimentos”.
No filme, Medeia, Electra e Antígona, as três personagens gregas, revividas no palco por uma única atriz (Gisela de Castro), estão em um ensaio sobre poder, feminino e humanidade. Incorporando depoimentos de mulheres contemporâneas – mães que não puderam enterrar seus filhos, exiladas ou vítimas da violência doméstica ou do Estado – Trágicas propõe uma ressignificação da tragédia dos dias de hoje.
*A equipe viajou a convite do evento e teve parceria com a Agência Encontre Sua Viagem – Vila Maria (SP).