Mostra Aurora em Tiradentes traz seu olhar sobre a variedade estética da produção contemporânea
*Crédito da foto: Leo Lara/Universo Produção
A Mostra Aurora completa 12 anos e seu objetivo sempre foi dar destaque a diretores e diretoras em início de carreira com filmes que trazem a marca da autoria e que fogem do cinema comercial, marcando uma geração que passou a viver de cinema e que tem sido acompanhada pela Mostra.
Uma das sessões mais esperadas é também a mais polêmica e que sempre traz mais debates acalorados ao encontro.
Dos 72 candidatos, os sete selecionados traduzem a variedade de proposições estéticas que marca a produção independente e contemporânea. São produções que buscam descontruir para reconstruir.
“São filmes que forjam encontros, intensificam experiências e tensionam o lugar dos corpos e da imagem no mundo. É a afirmação de identidades, culturas e histórias”, disse a curadora Lila Foster.
Tremor Iê
Em Tremor Iê (Tardo Filmes), de Elena Meirelles e Lívia de Paiva, a crítica convidada, Carol Almeida, destacou a estratégia ficcional do filme de “confundir o espectador, o tempo todo, sobre quem está narrando a história, com saltos temporais entre presente, passado e futuro e lidando com a natureza fantasmagórica do momento vivido pelo país”.
Para Carol, trata-se de um filme distópico sobre o Brasil de hoje, mesmo tendo sido feito antes das eleições de 2018. “Ele tem uma oscilação constante entre o que é memória e o que é invenção”.
Na produção, quando Janaína consegue fugir, Cássia, à espreita recebe de volta a amiga desaparecida desde uma manifestação popular de 2013. Mesmo quando um governo ainda mais autoritário assume o país, mãos incansáveis costuram a corda que traça a fuga.
Seus Ossos e Seus Olhos
No cara a cara com os filmes, os participantes e convidados levantaram questões sobre formas de produção, escolhas estéticas e representatividade de olhares. Ao falar sobre Seus Ossos e Seus Olhos (Lira Cinematográfica), segundo longa-metragem de Caetano Gotardo.
O crítico Pablo Gonçalo disse que o filme “convida o espectador a uma fabulação por meio de cenas que não apresentam ação, mas relatos alusivos”. Essas cenas, apesar de certo caráter celebratório do encontro e da palavra, não se completam nos encontros que registram. Pablo apontou, com isso, uma incompletude de essência do filme. “É uma obra sobre a escuridão do mundo contemporâneo”, afirmou, em relação ao imobilismo paralisante que ele percebe nas ações dos personagens.
O longa mostra Antônio, cineasta de classe média, que passa por uma série de encontros com pessoas como Irene, sua amiga de longa data; Álvaro, seu namorado; Matias, um rapaz que vê no metrô e com quem se envolve sexualmente. Esses encontros misturam vida e processo de criação, presente e memória.
A Rainha Nzinga Chegou
No documentário três gerações de rainhas e uma travessia de volta aos domínios da mítica Nzinga, às terras dos reis do Congo, aos cantos de Angola, pelos descendentes da rainha da Guarda de Moçambique Treze de Maio, Isabel Cassimira, personagem central da história.
“Quando digo que tudo é para todo mundo, é porque é. O caminho é longo, mas ele é nosso também, e uma hora ele chega”, disse a codiretora Isabel Casimira Gasparino ao comentar toda sua vivência com a ancestralidade negra e da emoção de discutir, em Tiradentes, um filme que trata de ritos transmitidos por sua avó e sua mãe e de heranças africanas que as acompanham por toda a vida.
No filme, ela viaja à África em busca de suas raízes e das origens da Rainha Nzinga, experiência registrada no filme junto dela e da codiretora Junia Torres. “Ir ao Congo foi um renascimento e uma reafirmação de que tudo que eu tinha aprendido sobre meus antepassados era verdadeiro”, exaltou.
Desvio
O longa paraibano Desvio, de Arthur Lins, traz Pedro, que recebe o direito de uma saída temporária da cadeia para visitar a sua família. Nesse curto tempo ele confrontará antigos fantasmas e planejará novos rumos.
“Eu me interessava por acompanhar um personagem sem fazer julgamentos morais sobre suas escolhas”, disse Arthur Lins, sobre a construção do protagonista, que é um presidiário em indulto de Natal que faz visita à família.
“O interesse narrativo é o acúmulo de uma energia represada, que se materializa na cena da explosão do carro”, comenta o diretor, que defende ter feito um estudo de personagem ocultando um filme de ação. Citando referências em James Gray e Michael Mann, Lins afirmou que seu grande interesse era pensar a trajetória do protagonista no curso espaço de tempo que ele passa fora da prisão e como esse período afetaria as pessoas ao redor.
Vermelha
Em Vermelha, Getúlio Ribeiro filma o cotidiano de dois senhores e algumas outras pessoas ao redor, dentro de um pequeno arco dramático que se mantém enigmático até o fim. A intimidade dos ambientes domésticos e a proximidade com a família o ajudaram a atingir a potência que se percebe no filme – e também o senso de humor, como pontuou o crítico convidado, Ewerton Belico.
“‘Vermelha’ é um inventário de pequenos acontecimentos, uma fatura narrativa na qual cabem materiais diversos e mudanças abruptas de registro. Ele parece fragmentado, mas só na superfície, e narra por polinização, com subtramas se espalhando no espaço e no tempo”, pontuou Belico.
Segundo Getúlio Ribeiro, diretor de Vermelha, o filme foi feito ao longo de 2017 sem ordenação de filmagem, o que determinou a indefinição temporal que se percebe. “Durante o processo de montagem, percebemos que várias cenas poderiam existir em pontos variados do filme. Apesar de termos dois blocos – com os homens e com as mulheres – e apesar das distâncias de tempo na filmagem, conseguíamos mostrar a energia do contato e da comunicação”, disse ele.
*A equipe viajou a convite do evento e teve parceria com a Agência Encontre Sua Viagem – Vila Maria (SP).