19a CineOP: tecnologias de inteligência artificial em debate e restauração do longa Cidade de Deus
A 19ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto foi espaço, neste sábado, 22/6, de debates até então inéditos sobre os impactos da inteligência artificial no âmbito do audiovisual. Em duas mesas realizadas ao longo do dia, profissionais do governo e de produtoras privadas comentaram de que forma a IA pode contribuir no trabalho, ao mesmo tempo em que levantaram problemas éticos e tecnológicos sobre a questão. As mesas destacaram como a inteligência artificial pode influenciar desde a preservação de acervos até a criação de novas obras, trazendo à tona questões sobre o controle e a utilização dessas tecnologias no Brasil.
Para o pesquisador e cineasta Almir Almas, há necessidade urgente de a comunidade acadêmica e profissional se posicionar de maneira mais proativa frente às tecnologias de IA. “A inteligência artificial coloca para a gente um desafio enorme. Estamos, enquanto estudiosos, pesquisadores, educadores e arquivistas, muito atrasados em relação a isso, o que nos coloca numa posição muito frágil, que é a de ser controlado por ela, quando a gente devia estar na ponta, no controle”, afirmou Almas. “É preciso entender isso como uma realidade de impacto contínuo”.
A pesquisadora Esther Hamburger apontou a dualidade da IA como ferramenta de potencialização e de risco. “Pensar que ela pode ser um sistema de classificação mais potente e que tem também uma vertente generativa que ainda é muito nova e que está aí para nossas pesquisas é essencial”, disse Hamburger.
Ela enfatizou a importância de controlar os processos de captação de dados e os algoritmos para evitar que eles se tornem ferramentas opressoras, especialmente no contexto das plataformas de streaming e de outras mídias digitais, que é a maior urgência do momento. Na visão de Hamburger, o desafio no Brasil é ainda maior que em outras partes do mundo quando se trata da preservação de acervos televisivos e vídeos populares antigos, entre outros materiais que, para ela, precisam de atenção.
Marcos Alves de Souza, secretário de direitos autorais e intelectuais do Ministério da Cultura, abordou questões legais e éticas envolvendo a aplicação da IA na restauração de filmes e levantou algumas questões. “Nas obras audiovisuais, a gente tem uma série de controvérsias com implicações de ordem ética, estética, técnica e legal. O uso da IA enriquece ou distorce o processo de compreensão histórica do legado na audiovisual?”, questionou.
Apesar das controvérsias, o secretário fez uma definição direta sobre o que se considera criação, de fato, e que a diferenciaria de recursos de IA. “Só é obra protegida (por leis de direitos autorais) o que é criação do espírito humano, da ordem do imaterial, do intelecto, das emoções, dos medos, da criatividade. Então teremos que olhar isso quando entra a IA como ferramenta utilizada na própria criatividade humana”. Uma das preocupações do secretário, portanto, é de que forma o desenvolvimento da inteligência artificial vai criar novas dúvidas e questões em relação a direitos de autor e de patrimônio.
Mais de duas décadas depois do lançamento, “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meirelles, passa por um processo de restauração. Em debate realizado na tarde deste sábado, 22/6, na programação da 19a CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, Paulo Barcellos, CEO da 02 Filmes, contou que a produtora tem trabalhado numa recuperação inédita do longa-metragem. O processo inclui resgate de negativos originais, transição de formatos de imagem e até recursos de inteligência artificial para ajustar imperfeições técnicas, efeitos de pós-produção e outros detalhes em desenvolvimento.
Barcellos revelou que a própria O2 está realizando a restauração e ainda não há previsão de finalização ou lançamento. O CEO revelou que será usada tecnologia de inteligência artificial para alguns ajustes no filme. “A IA será fundamental para automatizar a limpeza de ‘frames’, detectando falhas, trechos faltantes, imperfeições do original e nos dando opção de escolhermos como ajustar da maneira que decidirmos”, disse ele.
Por conta de necessidades técnicas específicas, parte do processo de restauração está sendo feita num laboratório em Los Angeles, a partir do envio de 18 horas de material bruto filmado pela equipe de Fernando Meirelles que passará por processo de limpeza. Ao final dessa “lavagem” dos negativos, conforme Paulo Barcellos, “Cidade de Deus” passará pela digitalização e conterá imagens em altíssima resolução, algumas delas em tecnologia 4k e 6k.
Ele ainda revelou que serão feitas duas versões restauradas do filme. Uma conterá modificações em efeitos sonoros e visuais, gerando um filme tecnicamente inédito. A outra versão será mais fiel à original de 2002, mantendo elementos tais como vistos na época com melhorias gerais nas imagens e sons.