Para parceiro do Brasil CineMundi, coprodução é caminho relevante em meio ao sufocamento de recursos públicos

Em meio à pandemia de Covid-19, o mercado audiovisual continua buscando maneiras de evitar uma paralisação e continuar com parcerias que o promovam. Como parte deste movimento, esteve o 11º Brasil CineMundi – International Coproduction Meeting, evento de coprodução paralelo à 14ª Mostra CineBH, realizados pela Universo Produção entre 29 de outubro e 2 de novembro.

Entendendo a relevância do diálogo entre parceiros nacionais e internacionais para o setor neste momento, o Prodview traz uma entrevista exclusiva com Pedro Butcher, curador da CineBH e parceiro do Brasil CineMundi deste ano. Dos desafios de um encontro de mercado totalmente digital até o prêmio para o projeto “Mãe do Ouro”, passando pela importância da coprodução para o audiovisual brasileiro em meio às dificuldades de acesso a recursos públicos – confira a entrevista na íntegra:

Pedro Butcher, curador da CineBH e parceiro do Brasil CineMundi

Prodview – Na sua opinião, quais foram as facilidades e desafios de manter o Brasil CineMundi alinhado ao seu propósito mesmo em versão digital neste ano?

Pedro Butcher – O Brasil CineMundi é um encontro de coprodução. Então, mais do que um festival de cinema, que já é complicado de se fazer uma versão exclusivamente on-line, o Brasil CineMundi foi realmente um desafio especial porque uma das características dele são justamente os encontros 1:1 como parte de um evento internacional. São encontros do pessoal dos projetos com possíveis parceiros de coprodução e o presencial fazia muita diferença, tinha sempre uma happy hour que era uma chance de as pessoas se encontrarem e conversarem em um momento mais informal. Tudo isso fez muita falta, mas [o Brasil CineMundi] foi incrível. O mais importante era não deixar de fazer o evento, principalmente neste momento em que o cinema brasileiro está precisando como nunca de novos parceiros e novas fontes de financiamento. Então o foco foi fazer, repensar e viabilizar, a gente repensou a estrutura do evento para essa nova situação de pandemia e também a partir dos parceiros internacionais, baseados na França (Séverine Roinssard), Alemanha (Paulo de Carvalho) e Suíça (Gudula Meinzolt), trouxeram experiência de eventos anteriores dos quais eles participaram. A Séverine indicou uma plataforma boa para fazer esses encontros 1:1 pela internet, a gente fez vários encontros maiores pelo Zoom e contamos com a solidariedade muito grande dos parceiros internacionais também.

O desafio maior foi tentar manter o espírito do CineMundi e as possibilidades de encontro, de formação de redes e parcerias para os projetos. A facilidade foi que a gente conseguiu a participação de algumas pessoas que presencialmente não poderiam ter participado e que estavam no nosso “alvo” há muito tempo. Por exemplo, teve um encontro com a diretoria do CNC, órgão de regulação do cinema na França, que só foi possível porque o evento foi todo on-line. Então é difícil a gente não pensar que provavelmente possamos incorporar as coisas boas que o on-line trouxe nessa situação de pandemia, mas para o Brasil CineMundi o encontro presencial é fundamental. Tem também uma questão da cordialidade do pessoal da Universo Produção e de Minas Gerais que faz muita diferença e que os convidados nacionais e internacionais gostam muito, sentem-se sempre muito bem acolhidos e isso fez falta, claro. Mas o balanço foi positivo.

O evento contou com masterclasses que, em vez de serem mais técnicas como a sobre Audience Design, também trouxeram experiências como no caso do ator de Guiné Bissau, Welket Bungué. Como você vê a importância de se ter ambos os tipos de masterclasses no contexto do evento neste ano?

As masterclasses e os debates que a gente propõe, algumas delas fazem parte tanto do CineMundi quanto da CineBH e tudo depende muito das possibilidades do ano e das parceria que estabelecemos. Neste ano a gente contou com o apoio especial do Instituto Goethe e isso fez uma diferença grande, isso possibilitou novas portas como o próprio encontro com o Welket Bungué foi parte dessa parceria. Ele é radicado em Berlim e está fazendo o trabalho dele lá, é ator do filme “Berlin Alexanderplatz”.

O importante é que a gente quer diversificar mais, às vezes a gente foca muito em realizadores ou roteiro ou nessa parte de financiamento e, para o caso do CineMundi, a gente quer ampliar isso para fotógrafos e técnicos de som. É uma coisa que a gente tentou fazer neste ano, mas ainda não conseguiu e queremos tentar fazer isso no ano que vem porque o cinema é feito de muitas coisas diferentes, então é importantíssimo ter uma diversidade de pontos de vista e experiências porque quanto mais tivermos disso, melhor, claro que sem sobrecarregar o programa e as pessoas porque já é muita coisa especialmente neste momento de pandemia, em que todo mundo está muito assoberbado de tarefas.

A participação do World Cinema Fund, que foi quem trouxe essa masterclass [Audience Design] foi um grande diferencial deste ano. O pessoal gostou muito e eu mesmo, que estava muito em dúvida do que era esse conceito de Audience Design, fiquei positivamente surpreso com a palestra e é realmente muito interessante você trabalhar as perspectivas de divulgação do seu filme de uma maneira muito ampla, que não comprometa o projeto, mas pensando nisso desde o começo. São metodologias muito interessantes, pensadas no caso a caso e que respeitam muito as naturezas do projeto e das pessoas envolvidas nele.

Quais impactos a pandemia trouxe aos projetos audiovisuais e possibilidades de coprodução?

O que foi muito legal de ver foi o aumento no número de projetos inscritos, então o pessoa não parou apesar das adversidades, está todo mundo com a mente criativa, cheia de ideias legais, tanto que foi até difícil [selecionar para] chegar ao número de projetos. Além da novidade deste ano, que foi ampliar [o evento de coprodução] para filmes em produção e filmes prontos para terem essa consultoria de como fazer esses filmes circularem agora que algumas das salas de cinema estão fechadas, sem muita perspectiva de abrir sem a vacina para a Covid-19.

Os projetos não estão refletindo a pandemia ainda, os assuntos são os mais diversos e a gente não selecionou nenhum projeto que se relacionasse com a pandemia ou a quarentena. O que eu acho que é até um sinal positivo, houve muita produção feita no meio da quarentena e até foi tema de parte da CineBH, mas os projetos do CineMundi não estavam voltados para essa questão.

Poderia contar mais sobre o projeto vencedor “Mãe do Ouro”? Tem-se uma ideia de quando ele poderá estar pronto para exibição?

O projeto “Mãe do Ouro” foi praticamente uma unanimidade entre a comissão de seleção. É de um jovem realizador, o Madiano [Marcheti] é de Mato Grosso. [O projeto] foi algo que chamou muita a nossa atenção, não propriamente pela região, da onde vêm geralmente poucos projetos, mas ele se destacava evidentemente. Ele [o diretor] ainda anexou trechos de um primeiro filme que ele já rodou, que se chama “Madalena”, e que foi decisivo para fecharmos a questão neste projeto porque os trechos que ele apresentou são incríveis e realmente revelam que é um cara muito talentoso. Esse é um projeto brilhante na forma como ele junta linguagem e questões contemporâneas, ambientais e super bem estruturado, realmente promissor. A gente ficou bastante feliz com o resultado apesar de sempre estar torcendo para todos os projetos porque, como a gente falou, deixou muito projeto legal de fora infelizmente. A qualidade de projetos no Brasil está muito alta. E tivemos um feedback muito bom dos participantes estrangeiros que gostaram muito do nível dos projetos, isso foi bem bacana.

Sobre a possibilidade de [“Mãe do Ouro”] ficar pronto é difícil prever. Tem projetos que passam pelo CineMundi que demoram 2 anos para ficarem prontos, às vezes 1 ano dependendo do estágio em que o projeto participa. Mas o “Mãe do Ouro” está muito no começo e o Madiano tem um filme já pronto, que vai estrear antes e que ele vai ter que se dedicar um pouco ao lançamento deste filme, que deve acontecer na virada do ano ou no começo de 2021. De qualquer maneira, esse é um projeto que tem muitas chances de se realizar e concretizar logo porque, como a gente viu, ele desperta o interesse de muitas parcerias porque tem um potencial muito grande.

O que você espera para a coprodução audiovisual pós-pandemia?

É difícil prever o que vai acontecer com a coprodução pós-pandemia porque, na verdade, um processo que a gente está vivendo no Brasil, anterior à pandemia, de degradação e sufocamento das fontes de recursos públicos, de financiamento, do Fundo Setorial do Audiovisual – FSA, sem que haja uma proposta de retomada ou uma luz no fim do túnel. Tem vários projetos parados… A gente viu a Caru [Alves de Souza], produtora de “Meu Nome é Bagdá”, falando de como o fato de uma parte do FSA que o filme ganhou ainda não foi liberado e está dificultando a carreira do filme.

O que a gente pode ver é que tem um interesse muito grande nos projetos brasileiros por parte dos possíveis parceiros estrangeiros e um aumento da solidariedade. Até bem pouco tempo atrás, por conta da abundância do FSA, muitos parceiros achavam que o Brasil não precisaria mais de parceria de coprodução, que isso não seria tão importante e hoje em dia se tem uma plena consciência de que é [importante]. Cada vez mais importante, então acredito que existem chances de serem fechados mais acordos de coprodução, pelo menos de ter um apoio maior de uma rede internacional no sentido de viabilizar os projetos e depois de fazê-los circular também.

 

Veja aqui a cobertura completa da 14ª Mostra CineBH e do 11º Brasil CineMundi.

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