27ª MCT: “Um filme precisa do tempo necessário para que ele exista da forma que deva existir”, diz Kleber Mendonça Filho em debate na Mostra
Na mesa temática “Quais as formas do tempo no cinema brasileiro contemporâneo?”, realizada na tarde de quinta-feira, 25/1, na Mostra de Cinema de Tiradentes, o cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho disse que, seja trabalhando em produções caseiras, como as do começo de sua carreira, ou em orçamentos mais robustos, como suas realizações mais recentes, o cinema que ele faz é preponderantemente artesanal.
Premiado no Festival de Cannes de 2019 pelo júri oficial com “Bacurau”, codirigido por Juliano Dornelles, Kleber exaltou que parte da artesania de seus trabalhos é justamente um pensamento sobre o tempo – tema da 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes. “O tempo, para mim, é tão importante quanto o som na hora de pensar o filme que eu vou fazer”, disse ele à plateia que lotou o Cine-Teatro Aymoré para acompanhar a discussão. “O tempo é um elemento tão presente no cinema que por vezes ele se torna ainda mais intenso. Dos meus filmes, ‘Retratos Fantasmas’ (2023) é o trabalho no qual mais identifico a presença do tempo como constitutivo da matéria fílmica”.
O cineasta, que trabalha num projeto com o ator Wagner Moura, citou “Cabra Marcado para Morrer” (1984), de Eduardo Coutinho, como um dos maiores tratados sobre o tempo já realizados no cinema brasileiro. “Sem que Coutinho planejasse nada, esse filme teve todo o tempo necessário para existir”, comentou. O documentário de Coutinho, originalmente uma ficção, teve suas filmagens interrompidas em 1964, por conta do golpe militar, e só foi retomado duas décadas depois, já como uma autorreflexão de sua própria feitura. “O tempo de um filme precisa estar ao nosso lado dentro de um processo de maturação, tão importante quanto seus elementos estéticos e narrativos”, disse o cineasta.
A mesa tratou dessas questões das formas do tempo também a partir da experiência de produção e políticas públicas, com a pesquisadora Lia Bahia criticando o excesso de pressa e agilidade que se exige para resultados de análise de projetos ou realizações audiovisuais em análise. “Devemos imaginar um futuro sem tanto pragmatismo e sem essa aceleração que vivemos hoje”, alertou ela, que acredita que a exigência por agilidade e eficiência pode estar provocando o acúmulo de projetos e produções feitas mais para cumprir datas e metas do que como expressões de fato significativas ao processo artístico.
Para o pesquisador Luiz Carlos Oliveira Jr, o tempo afeta também a relação de consumo com plataformas de streaming, cada vez mais vorazes em ocupar a cabeça e os espaços de vida de seus usuários com catálogos e filmes muito similares e de fatura estética vazia. “É a nova monocultura, é um verdadeiro ‘plantation’ cultural”, afirmou ele.