16a CineBH – Amizade entre mulheres cineastas, pandemia Covid-19, troca de cartas EUA e Brasil: conheça o filme “Vai e Vem”

O filme “Vai e Vem”, dirigido por Fernanda Pessoa e Chica Barbosa surgiu da ideia de troca de vídeo-cartas entre as diretoras, após a mudança da diretora mexicana Chica para Los Angeles (EUA). A brasileira, ao começar a ler o livro “Women ‘s experimental cinema”, de Robin Blaetz, chamou a amiga mexicana para lerem juntas. Cada vídeo-carta seria uma troca de pesquisas prático-teórica de cada artigo do livro. Foram estabelecidas regras como: limite temporal e o tempo da vídeo-carta para tornar essa prática mais harmoniosa.

O curta de 18 minutos inserido no início do longa, “Igual, diferente, ambas e nenhuma”, é referente às 4 primeiras video-cartas trocadas entre as diretoras, que corresponde ao período entre abril a julho, início da pandemia da covid-19 e fala sobre panelaços no Brasil e Black Lives Matter nos EUA, como disse a diretora Fernanda Pessoa.

Confira uma entrevista especial com a diretora brasileira Fernanda Pessoa:

 

A primeira vídeo-carta começa em abril de 2020, justamente o período que começa a pandemia. Mas antes vocês (Fernanda e Chica) já estavam conversando sobre esse projeto? 

Não, na verdade a gente sempre se falou desde que ela tinha ido para Los Angeles. E quando teve aquele momento de “suspensão” no tempo, ninguém sabia o que ia acontecer, parecia que nós tínhamos um tempo infinito, mas ao mesmo tempo não, além de muito medo, porque a gente não sabia o que ia ser, então nesse hiato a gente teve a ideia de fazer, neste momento, o filme.

Mas depois, a gente viu que era bem difícil fazer o filme, quando a vida começou a retomar. Eu fui fazer campanha política, daí era uma loucura conseguir conciliar fazer um vídeo carta a cada 3 semanas, fazer tudo. Mas foi uma ideia que veio da pandemia mesmo.

A gente sempre quis trabalhar juntas, mas nunca trabalhamos. Acho que só com a distância é que a gente conseguiu colaborar, é um filme de pandemia, a gente teve a ideia, começou e foi todo feito durante a pandemia.

 

E com relação a realização de um filme na pandemia, várias realizadoras(es) apostaram muito na feitura de filmes utilizando arquivos ou filmes domésticos. Como que você vê isso? E você já tem uma trajetória com isso e eu queria que você falasse um pouco sobre essa decisão também, e como você vê isso na sua trajetória como realizadora.

Eu acho que, é óbvio que a gente tinha várias restrições para filmar, materiais, não podia sair de casa, mas também de dinheiro, a gente não tinha financiamento nenhum para fazer o filme quando a gente começou.

Mas o curioso é que, conforme a gente foi pesquisando essas cineastas, a gente foi entendendo que: o cinema experimental feito por mulheres é muito caseiro, é muito “hand made”, é muito feito pela família, os amigos ajudam, eles são o assunto do filme.

Nós descobrimos algo em comum, né? Nós estávamos confinadas, dentro de casa, restrito a aquele espaço e várias cineastas retrabalhavam o espaço doméstico, e é isso é curioso, porque eram por razões diferentes. Essas cineastas trabalham muito a questão caseira pelo lugar da mulher, né? Isso é muito claro. Tem uma das cineastas que trabalha muito a cozinha, ela retrabalha e quase subverte esse espaço da cozinha como espaço feminino. Dava para a gente ter essa experiência de subverter o espaço caseiro, o espaço doméstico, pensando nessas referências também.

Era uma vontade de fazer uma experiência teórica e prática, levando para a prática muito o que essas cineastas traziam. E isso se liga muito a minha trajetória, acho que eu sou uma cineasta cinéfila. Este é o meu terceiro filme, que eu fiz com menos dinheiro, parece que é uma coisa estranha em uma trajetória, mas foi algo que foi possível fazer na minha trajetória e acho que foi possível fazer, a gente tinha uma necessidade muito grande de fazer naquela hora, de criar, sabe? Era uma forma de se manter, de conseguir digerir tudo o que estava acontecendo e conseguir botar alguma coisa no mundo. E foi muito rápido, a gente tinha uma urgência muito grande de botar isso para fora.

 

Quanto tempo vocês ficaram produzindo essas vídeos- cartas? E na prática, como que era essa troca entre vocês (Fernanda e Chica)?

A gente ficou de abril de 2020 até janeiro de 2021 e a gente tinha de duas a três semanas para fazer a carta.

Eu tinha de duas a três semanas para: ver a carta que a Chica tinha me mandado, ler o texto da cineasta, ir atrás de todos os filmes da cineasta, o que também não é fácil, porque várias dessas cineastas não tem o filme ali, em qualquer lugar, não está no streaming, então a gente entrava em contato com a distribuidora, pedia link privado, a maioria deles deram e foi ótimo; assistia todos os filmes possíveis da cineasta, tinha alguns que a gente conseguia trinta curtas, vamos lá assistir os trinta curtas. E daí eu pensava no que eu ia falar, filmava, editava: em três semanas.

E é por isso que começou a ficar meio difícil depois de um tempo, né? Porque era um ritmo meio frenético, no começo da pandemia, quando parecia que dava para a gente dar essa parada, até rolava. Mas depois, a gente começou a se empenhar e foi muito bom ter esse tempo de no máximo três semanas, porque a gente sabia que se não colocasse esses limites, essas regras, o filme iria desandar em algum momento, “ah eu to muito ocupada, não vou conseguir, etc”, a gente tinha esse compromisso e nós mantivemos esse compromisso.

A gente tentava não se falar, às vezes eu tirava o print de um frame de um filme das cineastas, mandava para ela e a gente trocava impressões sobre a cineasta, mas a gente tinha essa regra de tentar não ficar conversando fora disso, para não perder aquilo que eu realmente queria contar na vídeo-carta, né? Para que realmente fosse uma comunicação entre a gente

Depois que a gente terminou em janeiro de 2021, a gente deu um tempo sem olhar. A Jéssica Luz, que é a produtora que entrou no meio do processo também, o que foi ótimo para ter uma pessoa de fora, para não ter só eu e a Chica. E depois de um tempo, a gente olhou o filme como um longa e começamos a pensar o que a gente poderia mudar um pouco, sair para que ele pudesse dialogar com uma plateia maior.

A gente olhou e disse que poderia ser um longa, talvez alguma outra coisa, talvez uma piadinha interna, umas coisas muito nossas que estavam no filme a gente decidiu deixar um pouco menos, mas a gente não abriu muitas concessões, sabe? A gente passou por labs, por sessões de pessoas que assistiam, a gente não podia abrir muita concessão, eu não queria retrabalhar esse filme, refazer nenhuma carta: todas as cartas que estão aí foram feitas naquele momento, porque não tem como, depois de um ano, me colocar de novo naquele lugar, sabe, não vai ser real. A gente queria que fosse realmente a comunicação que a gente teve.

 

*Texto feito em colaboração com Fabiane Watanave

Veja a cobertura completa Prodview. 

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