CineOp: A homenagem à Edgard Navarro (filosofia, poesia e subversão)

O cinemeiro Edgard Navarro (70 anos), título como gosta de ser chamado, foi o grande homenageado da 14ª CineOp (Mostra de Cinema de Ouro Preto). Apaixonado pelo desvio social, obstinado em transmitir sua utopia, com uma presença física e espiritual de intensidades máximas, esse artista foi um dos diretores mais férteis de filosofia, poesia e subversão marcantes e um dos ícones do cinema baiano.

Sua trajetória começa na década de 70, que teve como destaques os filmes O Rei do Cagaço (1977) e Exposed (1978) e segue até 2017 com sua última obra até o momento (Abaixo a Gravidade). A torcida é grande para que mais uma grande produção feche ainda mais com chave de ouro o ciclo cinematográfico dessa figura emblemática.

Na programação do CineOP, o diretor teve três momentos memoráveis: homenagem especial com recebimento do Troféu Vila Rica, mostra com exibição de sete produções e uma roda de conversa. Além disso, o profissional participou enquanto plateia de quase todos os debates da programação.

Edgard Navarro recebeu o Troféu Vila Rica das mãos do secretário de Cultura de Belo Horizonte, Juca Ferreira, seu conterrâneo e amigo de juventude na noite de abertura do festival (06/06). “Eu conheci o Edgard muito antes de ver os filmes dele, quando a gente almoçava no mesmo restaurante vegano em Salvador. Era um lugar de comida macrobiótica que parecia um centro cultural”, relembrou Ferreira, arrancando risos da plateia. “E aí vi ‘O Rei do Cagaço’, que é inquietante e perturba o público. O Edgard é essa combinação de respeito e deboche”.

Emocionado e irreverente ao receber o tributo à sua obra no ano em que completa sete décadas de vida, Navarro contou várias histórias da juventude na Bahia, inclusive do medo que sentia de ser torturado pela ditadura militar por conta de seu comportamento anárquico e iconoclasta. “Eu já era um suicida e queria enfrentar a autoridade, ficar na frente da baioneta e mandar me furarem”, disse.

Sobre a homenagem, ele demonstrou extrema gratidão. “Eu me sinto num momento de pódio depois de muitos anos e de muita caminhada em busca solitária desse lugar da verdade absoluta”.

A homenagem ao cineasta também foi inserida no contexto da temática Histórica e exibiu sete filmes, entre eles Superoutro, que completou 30 anos em 2019, além dos já citados anteriormente e também as produções: Lin e Katazan (1979), Talento Demais (1995) e Porta de Fogo (1984). Veja abaixo as sinopses.

O convidado ainda participou de uma Roda de Conversa com o público (07/06), no qual rememorou sua trajetória. Em um momento do cinema brasileiro pródigo em artistas rebeldes, Navarro foi um dos artistas mais radicais na sua força poética e na afirmação de um lugar de radical independência nos modelos estandardizados da cultura e do cinema.

“Essa homenagem aqui dá sentido a tudo o que eu fiz, porque em algum momento parecia que eu tinha alguns espasmos que me direcionavam a achar que eu estava no caminho oposto”, disse.

Uma cinematografia única e original, que também coloca temáticas extremamente políticas e gritos de repressão e liberdade, um verdadeiro testemunho poético, visionário e provocativo dos tempos de antes, de hoje e de sempre.

 

Filmes exibidos na Mostra Homenagem

*Longa

  • Abaixo a Gravidade (2017) – afeito a coisas simples aprendidas em muitos anos de vida solitária no campo, Bené revela-se suscetível às flechas erráticas de cupido, tornando presa fácil de uma paixão temporã que o trará de volta à cidade grande.

*Média

  • Superoutro (1989) – O filme tem como personagem a figura tragicômica de um louco de rua, que tenta se libertar da miséria. Apesar dos sucessivos malogros da realidade hostil ele termina por subverter a lei da gravidade num voo redentor.
  • Talento Demais (1995) – A partir de uma abordagem humorada, um cineasta baiano tenta compreender a causa da indiferença do mundo pelo cinema. É um registro de memória w revisão crítica do cinema baiano.

*Curta

  • Exposed (1978) – Filme introduz o tema poder associado à potência sexual: só quem não se sente seguro o bastante em relação ao poder que exerce precisa ostentar sinais exteriores do mesmo.
  • Lin e Katazan (1979) – A parábola é baseada no texto do livro Fazenda Modelo, de Chico Buarque de Holanda e retrata a relação de um operário com o capataz da obra, que será conduzido a um desfecho trágico.
  • O Rei do Cagaço (1977) – O super close de um ânus expelindo fezes é a imagem central do filme. Assim, o autor traça um painel caótico da cidade com uma sintaxe truncada procedente do inconsciente em que a retenção anal acomete a toda uma sociedade e ao fato de que uma pátria suja a cidade com seu excremento.
  • Porta de Fogo (1984) – Trata da morte do guerrilheiro Carlos Lamarca no sertão da Bahia, traçando uma metáfora entre o cangaceiro lampião.

 

 Demais filmes da carreira de Edgard Navarro

*Curta

  • 1976 – Alice no País das Mil Novilhas
  • 1980 – Na Bahia ninguém fica em pé
  • 1981 – Habemus Papa

*Obras em vídeo

  • 1992 – A voz do Brasil
  • 1999 – O Papel das Flores

*Longas

  • 2002 – Eu me Lembro
  • 2011 – O Homem que não Dormia

 

Foto: Leo Lara/Universo Produção

 

[VEJA A COBERTURA COMPLETA DO CINEOP 2019]

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