CineOP: Mostra Educação foca na escola como caminho para alterar o contexto de violência, exclusão e invisibilidade das mulheres

A temática Educação partiu do enfoque “Mulheres: terras e movimentos” para refletir sobre a atuação das mulheres no campo do cinema e da educação, tendo como ponto de partida o vínculo com a terra, com os territórios e espaços por elas ocupados na sociedade.

O olhar foi escolhido pelas curadoras Adriana Fresquet e Clarisse Alvarenga, que selecionaram 38 filmes, incluindo o documentário Tem quilombo na cidade: Manzo Ngunzo Kaiango, de Alexia Melo e Bruno Vasconcelos, exibido no Cine Cemig na Praça, também marcou um momento especial: o retorno de Mãe Efigênia, importante liderança quilombola retratada no filme, de volta a Ouro Preto, sua cidade natal, após 40 anos.

Sabemos que o Brasil é o quinto país do mundo em número de feminicídios, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). Uma em cada três mulheres já sofreu algum tipo de violência, 503 mulheres são vítimas de agressões físicas por hora e ocorre cerca de um estupro a cada 11 minutos. Se passarmos dos dados referentes a violências e abusos à esfera da representação política, podemos observar que, apesar do Brasil ter uma legislação específica para garantir a presença feminina na política, o país ocupa a 152a posição no ranking de 190 países que considera a presença feminina em parlamentos, de acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018.

No campo do Cinema não é diferente. Dados divulgados pela Agência Nacional de Cinema (Ancine), em 2018, tendo como base os 142 longas-metragens brasileiros lançados comercialmente em salas de exibição no ano de 2016, informam que os homens brancos detêm a direção de 75,4% dos longas. As mulheres brancas assinam a direção de 19,7% dos filmes. Nenhum filme em 2016 foi dirigido ou roteirizado por uma mulher negra.

Portanto, tanto a Temática quanto a Mostra tiveram um recorte que naturalmente perpassou questões como machismo, discriminação e legitimidade de fala.

A proposta de ouvir experiências de realizadoras e professoras negras e indígenas amplificou o número de vozes e a singularidade do que era relatado. É o caso da professora e ativista Célia Xakriabá (foto), que exaltou a memória da tradição indígena como elemento fundamental a ser resgatado pela produção audiovisual brasileira. “As narrativas indígenas precisam ser tomadas por seus povos. É importante ocupar os espaços de expressão, historicamente dominados pelo homem branco, e enfrentar uma sociedade marcada pela opressão por parte das figuras históricas de poder”, afirma.

Célia defende o que chama de “reterritorialização”, que seria a retomada de territórios (físicos e simbólicos) apropriados pela colonização. Trata-se de um movimento importante da comunidade indígena em tempos de luta contra um governo federal que opera em prol da tomada à força de territórios sagrados e da eliminação de povos originários. “Precisamos pensar na ‘indigenização’ da tela, para que tenhamos pluralidade e diversidade tanto em quem está do lado de lá da cena quanto especialmente em quem está no domínio das ferramentas, segurando a câmera”.

Para chegar a esse cenário, a formação audiovisual se torna essencial, empoderando o potencial realizador indígena, como frisa a cineasta Mari Corrêa, diretora do Instituto Catitu, ONG de fomento a projetos culturais e ambientais junto às comunidades indígenas. “O sentido real do nosso trabalho é o de que, mais importante que o resultado, é o processo”, destaca.

Como Mari, a diretora e professora Pará Yxapy, da aldeia Ko’enju, que iniciou seus estudos em realização cinematográfica nas oficinas do Vídeo nas Aldeias em 2007, no Rio Grande do Sul, reforçou a importância de dominar a técnica e a estética. Logo que aprendeu a manipular câmeras, Pará decidiu se apropriar da própria narrativa. Durante sua fala num seminário na CineOP, ela se dirigiu à plateia e disse: “A presença de uma cineasta indígena é algo muito novo pra vocês. Trabalhar com cinema é muito importante pra gente, para fortalecer nossa cultura e nossa visão”.

Retomar o discurso e levá-lo ao mundo surgiu como perspectiva fundamental do sentimento transmitido pelos debates e encontros na CineOP. Pela perspectiva da cultura negra, Makota Kidoiale, coordenadora do Projeto Kizomba, que busca difundir a cultura africana, disse que “o cinema deve nos mostrar e dar visibilidade ao nosso modo de vida, que reproduz cultura, conhecimento, saúde, cuidados e natureza”.

A percepção de que as vozes silenciadas por décadas de opressão precisam ter espaço de revigoramento foi defendida também pelo veterano diretor paraibano Vladimir Carvalho, 84 anos. Ele relembrou a violência na qual a sociedade brasileira foi estabelecida historicamente e que as comunidades oprimidas devem tomar parte no imaginário e consciência de nossas imagens.

Para a professora Shirley Miranda, é importante que se compreendam as perspectivas descoloniais, no intuito de que o imaginário das diversas comunidades que compõem a sociedade brasileira possa ser reapropriado ao dar voz a quem até então era tratado como margem pelas instâncias de poder, marcadamente eurocêntricas e preconceituosas.

“O enquadramento (do cinema) pode servir para colocar certas vidas em destaque e dar alguma dignidade possível a humanidades negadas”, comenta Shirley. “Quais são as vidas que precisam do perigo para terem a imaginação despertada?”. Na “Carta de Ouro Preto”, redigida pela Rede Kino, professores e professoras renovaram o compromisso com a defesa intransigente da democracia e dos direitos civis, “reafirmando a potência das diferenças na diversidade e o papel do cinema, do audiovisual e da educação no combate aos sistemas que sustentam as opressões e as desigualdades”.

Do olhar amplo para os arquivos no que eles podem oferecer a uma melhor apreensão do presente até o entendimento de que toda experiência tem importância na constituição de formas sensíveis de ver e viver, a 14a CineOP trafegou por questões complexas em sua edição de 2019. Buscou respostas, mas acima de tudo provocou perguntas, para deixá-las reverberando daqui adiante, no intuito de que as discussões avancem. Quem sabe uma sociedade mais equilibrada ascenda tendo por base a educação e o sentido histórico das coisas. As ideias e as ações estão em andamento.

No cotidiano das escolas, por meio do cinema, é possível ter chances de discutir e alterar o contexto de violência, exclusão e invisibilidade, que acompanha as mulheres brasileiras historicamente.

 

Filmes apresentados na Mostra Educação

O filmes abordam os movimentos que as mulheres fazem ocupando desde os lugares específicos onde vivem, no ambiente doméstico, familiar, privado, e também as intervenções que elas empreendem nos espaços públicos, incluindo escolas, cidades, aldeias indígenas, quilombos, organizações da sociedade civil ou instituições públicas, urbanas, do campo, indígenas ou quilombolas.

 

*Longa

  • Força das Mulheres Pataxó da Aldeia Mãe (2019) – A força (nuhãtê) e a intensidade das palavras, das histórias e dos cantos, das diferentes gerações de guerreiras de Barra Velha – a Aldeia Mãe (Pataxi Imamakã), território ancestral do povo Pataxó – são o mote do primeiro longa-metragem produzido pelas mulheres (jokanas) integrantes do Coletivo Pataxó de Cinema de Barra Velha. (Direção: Caamini Braz e Vanuzia Bonfim).

 

*Curtas Convidados

  • Maré (2018) – Em um quilombo da Bahia, três gerações de mulheres negras dividem-se entre o impulso de partir e a vontade de ficar, a incerteza sobre o futuro e a força da ancestralidade. (Direção: Amaranta César).
  • NoirBlue – Deslocamentos de uma Dança (2018) – No continente africano, Ana Pi se reconecta às suas origens através do gesto coreográfico, engajando-se num experimento espaço-temporal que une o movimento tradicional ao contemporâneo. (Direção: Ana Pi).
  • Tem Quilombo na cidade: Manzo Ngunzo Kaiango (2018) – O filme documentário é resultado do Registro de três Quilombos em Belo Horizonte como patrimônio cultural imaterial da cidade: Mangueiras, ManzoNgunzoKaiango e Luízes. Esse registro integra o dossiê antropológico realizado pela CAMPO – Cultura, Meio Ambiente e Patrimônio, para a Diretoria de Patrimônio Cultural – Fundação Municipal de Cultura de BH. (Direção: Alexia Melo e Bruno Vasconcelos).

 

*Curtas selecionados

  • A Bruxa (2018) – Rapaz procura uma famosa bruxa para realizar seu maior desejo na vida e tem uma grande surpresa. (Direção: Lívia Matos, Aline Amsberg, Bianca Faria e Pedro Padovan).
  • A Princesa Pantaneira (2012) – Camuela é uma princesa que ganhou dos bichos do seu reino o apelido de “Princesa Pantaneira”. É alegre, valente e muito esperta. Adora inventar histórias e viver muitas aventuras. (Direção: Tina Xavier).
  • Adulto Também tem Medo (2018) – As crianças da escola sempre nos contam seus medos. E os adultos? Será que eles também têm seus medos? Na Educação Infantil a maioria expressiva de profissionais são mulheres. Medos também tem gênero? (Direção: Simone Pinto da Silva).
  • Ajuda! (2019) – Mulher sofre violência doméstica e tem medo de denunciar. (Direção: Gabriel Ribeiro, Victor Serrano, João Gabriel Almeida).
  • Aos de Ontem, Aos de Sempre (2018) – Uma jovem mulher se dirige aos seus, que sofrem desde muito tempo com os preconceitos impostos aos que carregam na cor da pele uma pena dura de ser vivida. (Direção: Elvis Pinheiro, Jaildo Oliveira, Laryssa Raphaella, Lívia Agra, Raquel Morais e Ravi Carvalho).
  • Brinquedança (2018) – Brinquedos dançam, bagunçam e escapam da caixa. Será que ela é mágica? (Direção: Adriano Longhi Coutinho, Aline Caetano Begossi, Beatriz Leite Figueiredo, Flávia Regina Brizolla Borges, Jaqueline Horácio Piton, Jisely Lasinskas de Oliveira Fedri Viana, Maria de Lourdes Gomes da Silva).
  • Caçador de Monstros (2018) – Uma menina faz a “edição de um filme” usando folioscópios (Direção: Adrielly Costa Liberalino e Karla Lopes Beck).
  • Chamada 180 (2018) – De repente o amor não é mais palavras. De repente não é mais amor. De repente precisa-se de muita coragem para denunciar o amor! (Direção: Alanis Bergman).
  • Cine Liberdade (2019) – “Eu acho que o Cinema é mais do que contar uma história, é mudar uma história”. Naiara Souza. (Direção: Coletivo Cinema no Interior).
  • Colors (2018) – Sabe quando o cenário pede um filme? Uma paineira salpicou o local com flocos de paina e holofotes luminosos compunham a cena e Sofia criou um dispositivo de aproximação e distanciamento das painas e dos holofotes coloridos. (Direção: Sofia Pereira da Silva).
  • Contato: um Abecedário Audiovisual por Estudantes de uma Escola de Cinema (2018) – Um grupo de estudantes, meninos e meninas, entre 8 e 15 anos realiza um abecedário audiovisual onde criam definições, por vezes poéticas, de palavras que escolheram. Essas palavras surgem a partir da revisão de filmes realizados por eles no projeto Escola de Cinema CINEAD/ CineZé existente numa escola pública da Vila de São Pedro da Serra, região semi-rural do Rio de Janeiro, entre 2012 e 2015. (Direção: Daniella D’Andrea).
  • Culturas em Diálogo (2018) – A indígena Nikita Guarani Nhandeva entra em diálogo com estudantes do ensino fundamental de uma escola pública municipal no contexto das aulas da disciplina de artes. (Direção: Mariana Soares Leme, Ortência Lopes e Karla Lopes Beck).
  • Depois da Chuva (2018) – Filme realizado durante a oficina Entrecenas em Dores do Indaiá, a partir do processo formativo em cinema experimental que envolveu o olhar dos próprios moradores sobre o espaço, a cultura e a arte. (Direção: Carmen Lopes de Lacerda e Rosirê Aparecida da Silva Reis).
  • Dr. com objetos (2018) – Mulheres fortes mostram como lidar com relacionamentos abusivos. (Direção: Alunos da oficina de audiovisual e professoras Lívia Matos e Aline Amsberg).
  • Duda e a Bonequinha (2018) – Uma garota encontra uma bonequinha em uma salda esquecida da escola. (Direção: Eduarda Machado)
  • É bom ser Mulher? (2018) – É bom ser mulher? As minas contam sobre seus sonhos, seus medos, suas danças. Sensações das meninas sobre ser mulher. (Direção: Letícia Godói, Rafaella Alonso, Yasmin Esteves, Maria Eloysa Chiapara, Vitória Alves, Isabela Falcão, Fernanda Carlis, Cibely Gomes, Nicoly Gonçalves, Samira Silva, Ana Carolina De Araújo).
  • Educar para a Memória (2018) – Este filme foi realizado no contexto da disciplina Oficina de Arte, que aconteceu no segundo semestre de 2018 no curso de Licenciatura de Pedagogia da Faculdade de Educação da UFRJ. (Direção: Marcia Gomes, Alcione Fraga, Gersimara Ribeiro, Marcela Santana, Thais Bento).
  • Em direção ao Sol (2018) – Pés no chão e um sol no horizonte. O que acontece quando vamos em direção ao sol? A luz nos meus pés muda conforme vou dando os passos. Sofia (11 anos). (Direção: Sofia Pereira da Silva).
  • Escrituras Escolares – Sentidos Ocultos (2019) – É um filme-ensaio que tem como lugar de “fala” uma professora e cineasta que descobre possibilidades de diálogos através das marcas deixadas pelos alunos em sua memória. (Direção: Luciene Araujo).
  • Faz uma Coisa Engraçadinha (2019) – Paulinha quer fazer um filmes de coisas engraçadas, mas logo entra nas brincadeiras das crianças da Turma do Girassol. (Direção: Paula Vitória Carvalho Rosa e Simone P. da Silva).
  • Fios Tramados ao Acaso (2019) – As vozes das mulheres ecoam pela escola; crianças fazem o que sempre deveriam fazer: brincar. Brincam e filmam as brincadeiras do mundo. As vozes das mulheres ensinam, entrecortam, enlaçam, conversam…(Direção: Wenceslao Oliveira, Sandra Amaral, Meiry S. da Costa Pereira, Rozeli Melo, Mauro Antonio Guari, Juliana Oliveira).
  • Glória (2019) – Das lágrimas às tsunamis, toda água tem a mesma origem e um só fim. (Direção: Yaminaah Abayomi e Nádia Oliveira).
  • Instinto (2018) – Elvira produz um de seus brincos de penas artesanal e fala um pouco sobre sua história. (Direção: Eduardo Pereira).
  • Luci (2018) – Luci es la portera de nuestra escuela. Quisimos saber cómo fue el proceso en el que eligió ser mujer trans y cómo se siente ella con esa decisión. (Direção: Marisa Lopez, Juan Gil, Milton Benisch, Gimena Bobadilla, Milagros Cabanillas).
  • Marielle (2018) – Marielle Presente (Direção: Alunos do MR Turma 2003).
  • Mulher Guerreira Mulher: Adriana Cavalcanti (2019) – Documentário realizado por duas professoras sobre Adriana Cavalcanti, mulher trans, negra, de origem nordestina, artista e moradora de rua na cidade de Campinas. (Direção: Aline Amsberg de Almeida e Aline Jekimim Goulart).
  • O Diário (2017) – Julia em seu diário narra seus dilemas e descobertas (Direção: Alunas e alunos do EMR Turma 2017).
  • Sentindo na Pele: Lutando pela Minha Negritude (2018) – Uma reflexão proposta por mulheres sobre a necessidade de afirmarem sua negritude, apresentar e discutir a problemática do racismo. (Direção: Murilo Lazarin).
  • Ser Madre en el Penal (2017) – Producción lograda en el marco del Taller Cine, Género y Derechos Humanos, realizado autogestivamente en el Instituto de Recuperación de Mujeres n°4 de la ciudad de Santa Fe. Comisión de Mujeres por la Libertad asiste semanalmente al Penal desde febrero de 2017. (Direção: Coletiva).
  • Ser Mulher é Tudo (2019) – Documentário com mulheres da EMEF Ângela Cury Zakia sobre o que significa ser mulher. Sofia, diretora do filme, é aluna do 6° ano da EMEF Ângela Cury Zakia. (Direção: Sofia).
  • Terceiro Gênero (2017) – Eu sou a aberração Duas cabeças Quatro braços Quatros pernas Um coração… Eu sou o terceiro gênero Meu corpo é minha casca Seus olhos a dividem em dois E escolhe a metade que te agrada Eu sou um só Mas me comporto em dois, me sinto dois Eu não choro, eu não sinto… (Direção: Helena Lasquevite).
  • Terra Kaxixó (2018) – Realização coletiva durante o processo da oficina Entrecenas em Ibitira/MG, a partir do processo formativo em cinema experimental que envolveu o olhar dos próprios moradores sobre o espaço, a cultura e a arte. (Direção: Letícia Helena de Oliveira).
  • Uma Pessoa Normal (2018) – Três mulheres contam um pouco de quem são e apesar das diferentes histórias, todas elas têm algo em comum. (Direção: Maria Piva, Lara, Ingrid).
  • Vídeo Manifesto #Transviva (2019) – Vídeo manifesto produzido na Oficina de Cinema do Festival TransViva que aconteceu em Janeiro de 2019. Pessoas de todos os gêneros narram suas experiências em uma relação corpo-vídeo-cidade. (Direção: Participantes da Oficina de Cinema no Festival Transviva).

Foto: Leo Lara/Universo Produção

[VEJA A COBERTURA COMPLETA DO CINEOP 2019]

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