Nas versões presencial e online, a Mostra Homenagem é a oportunidade de ver reunidos os filmes da dupla de homenageados Ary Rosa e Glenda Nicácio. Reunimos seis filmes, quatro que já foram exibidos na Mostra de Tiradentes, entre eles dois que tiveram suas estreias na Mostra Olhos Livres (Até o Fim e Voltei!), e dois filmes recentes que estreiam na Mostra este ano (Mugunzá e Na Rédea Curta).

Quando Café com Canela estreia em 2017, o impacto é grande, ainda que (quase) discreto na sua crônica sobre um grupo de pessoas de uma mesma localidade. Impressiona como Glenda Nicácio e Ary Rosa conduziram um retrato coletivo com um intransigente prazer, o que soou para alguns desatentos como aparente displicência. Havia ali um filme com adesão irrestrita à ficção, um exercício raro de uma fabulação que investia ao mesmo tempo na fabulação via relato de atrizes e atores, na prosódia que deixava claro a força não dissimulada do texto escrito (e um momento que o efeito do documentário e a rarefação causava sensação na ficção), uma visualidade espacial que misturava cenários internos estilizados e locações reais das cidades de Cachoeira e São Felix, uma câmera que procurava os pontos de vista mais inusuais e uma montagem que investia no lúdico, sem receio da emoção. O filme vinha do Recôncavo Baiano e era a primeira direção da dupla pela Rosza Filmes.

Ilha (2018), no ano seguinte, reforçou essa impressão e radicalizou seus procedimentos que se fazem com belas discrepâncias: atores profissionais e não profissionais, planos de longa duração e montagem de ritmo inaudito, planos de composição mais clássica e outros de perspectiva instável, um uso inovador da câmera subjetiva, deixando ainda mais complexa a trama de pontos de vista que estabelece conflitos que entendem o cinema como aquilo que pode dar imagem sobre as feridas históricas. A contradição tem a força de uma avalanche. Um filme sobre cinema, bonito e cruel, triste e desejante, entre o passado e o futuro.

A relação entre passado e futuro está em Até o Fim (2019) e Voltei! (2020). Em Até o Fim temos um bar numa praia como cenário de um reencontro entre mulheres da mesma família, irmanadas em suas semelhanças e diferenças. A emergência do passado na fala, na cumplicidade, nos segredos das mulheres. Em Voltei é o futuro em que a energia elétrica acabou e duas irmãs recebem a visita de um fantasma da terceira. Em ambos os filmes há uma dinâmica de desconcertante agilidade cênica, com uma câmera atenta em uma espécie de vibração física na intensidade das atrizes, cortes inusuais e uma economia de espaço radical.

Em Mugunzá (2022), que abre o festival, vemos um trabalho que assume com mais força a teatralidade já presente em Voltei e Até o Fim, mas aqui se faz como um musical em que as 13 canções são interpretadas por Arlete Dias (grande atriz presente nos filmes anteriores) e Fabrício Boliveira. Concentrado na dupla, no filme Boliveira interpreta cinco homens que passaram pela vida de Arlete. A radicalidade cênica de Mugunzá se dá tanto por uma forma dramatúrgica – o trágico erigido sobre o universo das festas populares do Recôncavo – quanto pela mise-en-scène em que a espacialidade não dissimula uma cenografia que aposta na força do lastro teatral (de palco).

Já Na Rédea Curta (2022) é um longa-metragem com as personagens de Mainha (Sulivã Bispo) e seu filho Júnior (Thiago Almasy), da websérie de humor homônima, sucesso baiano na internet. No filme, Mainha e Júnior vão atrás do pai do rapaz em Cachoeira. O filme é o encontro da Rosza Filmes com as personagens já muito populares de Sulivã Bispo e Thiago Almasy. De Cachoeira e Salvador. No entanto, há uma diferença entre os vídeos populares. Na Rédea Curta e o filme Na Rédea Curta: a versão longa-metragem possui a loquacidade e o apuro visual da Rosza Filmes. Um dos grandes feitos do filme é a notável dinâmica entre o ritmo do humor de Bispo e Almasy com o tempo cênico da dupla Nicácio e Rosa, além, claro, de trabalho delicado e vigoroso com as atrizes e atores. Na Rédea Curta ainda traz no elenco Zezé Motta, Jackson Costa, Cristina Pereira, Luciana Souza, Arlete Dias, Edvana Carvalho, Genário Neto, Cristian Bell, Psiti Mota, Alan do Carmo, Rita Batista e Telma Souza.

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