CineOP: Mostra Histórica traz reflexos das condições de produção na trajetória do cinema independente e possíveis caminhos para a atualidade

A temática central da CineOP (Mostra de Cinema de Ouro Preto – 05 a 10 de junho), que também norteou o recorte Histórico, foi “Territórios regionais, inquietações históricas”. 

Assinada pelos curadores Francis Vogner dos Reis e Lila Foster, a programação colocou em destaque produções entre os anos de 1960 e 1980, que tiveram enorme importância nas discussões sobre o cinema brasileiro e no enfrentamento das difíceis condições de produção que marcaram a trajetória do cinema independente no Brasil. Porque, afinal, o que é um território cinematográfico?

Uma seleção de 20 filmes, entre longas, médias e curtas dirigidos por nomes como Carlos GerbaseSérgio Péo e Sylvio Lanna, estes dois últimos presentes nesta edição do evento, foram exibidos na programação, que buscou pensar o cinema brasileiro e os filmes produzidos em diversas regiões do país. Além disso, a homenagem ao cineasta Edgard Navarro, inserida no contexto da temática Histórica, exibiu sete filmes do diretor.

Entre outras questões, a temática problematizou a ideia de “ciclos regionais”, a partir de estudos mais recentes que contestam a terminologia e o recorte geográfico das pesquisas de cinema. Tais abordagens apontam um olhar viciado dos grandes centros para os estados e cidades distantes de Rio e São Paulo ao falarem em ciclos regionais. Na presença de 75 profissionais do audiovisual, acadêmicos, pesquisadores, historiadores, críticos de cinema e convidados internacionais, ao longo de 26 debates, o assunto transitou e se reconfigurou por diversas frentes em Ouro Preto.

Para Francis Vogner dos Reis, curador da Temática Histórica junto com Lila Foster, as cinematografias nascidas em territórios delimitados sempre se posicionaram como um tipo de confronto com as produções dos grandes centros, por seus realizadores se sentirem desterritorializados em relação a uma centralidade geográfica que é pura convenção – diretamente influenciada, é claro, por fatores determinantes de poder econômico. “Toda a história do cinema brasileiro tem ‘fragmentos regionais’ que vão constituindo uma cinematografia maior”, diz Francis.

Uma extensão do “regionalismo” no audiovisual brasileiro apareceu nas discussões sobre os coletivos e as pequenas produtoras que se formaram nos anos 1980 e 90 e foram foco também das conversas e exibições na CineOP em 2019. Esses núcleos de produção, que se originaram como encontros entre cinéfilos e terminaram por realizar e difundir obras audiovisuais de feitura própria, tiveram grande importância em Porto Alegre (Casa de Cinema), Piauí (Grupo Mel de Abelha) e Rio de Janeiro (Corcina), além de iniciativas individuais no Paraná e em Brasília.

Para o cineasta Fernando Severo, parte dessa efervescência entre o final dos anos 1970 e meados dos 90 se deveu ao Super-8, com sua praticidade e agilidade de captação de imagens. Ele lamentou que, atualmente, o formato seja marginalizado. “Eu reivindico sempre e é uma luta minha que o Super-8 seja catalogado e melhor estudado, porque muita coisa importante foi feita com ele”, defende. O professor Rubens Machado, que cataloga a produção de Super-8 na USP, reforça: “Esses filmes precisam ser mostrados, não podem ficar escondidos nem serem considerados menos importantes”

A temática ofereceu uma breve amostra do que foi fazer cinema brasileiro nessas décadas e como foi possível pensar os territórios cinematográficos numa realidade possível para a produção independente no Brasil. Tais experiências históricas podem lançar luz para possíveis novos caminhos de produção e exibição no Brasil contemporâneo.

 

Filmes exibidos na Mostra Histórica

*Longa

  • Inverno (1983) – Aos 24 anos, nosso herói mora sozinho, é jornalista formado, mas trabalha numa imobiliária. Identifica-se com a cidade sombria onde vive, com seu apartamento cheio de discos e livros, com os filmes a que assiste. Mas tem pouca coisa em comum com a namorada, os amigos, os pais, os colegas de serviço. Não consegue e não se esforça para conciliar os diferentes mundos por onde transita. (Direção: Carlos Gerbase).

 

*Curtas

  • Almir Mavignier (1974) – Almir Mavignier, artista plástico e designer visual brasileiro, fala de sua trajetória como pintor, designer visual e professor, desde que deixou o Brasil com uma bolsa de estudo para a França e sua mudança para a Alemanha, onde foi professor na Escola de Ulm e depois em Hamburgo. (Direção: Lena Bodansky).
  • A Luminosa Espera do Apocalypse (1980) – O filme segue a pista semiológica de uma figura verídica da loucura paranaense, indo procurar em inscrições enigmáticas e esculturas misteriosas a verdade de um indivíduo que acordou com a certeza de que o mundo arderia em chamas no dia 28 de dezembro de 1999. (Direção: Rui Vezzaro, Fernando Severo e Peter Lorenzo).
  • Cinemação Curtametralha (1978) – Documentário/manifesto em defesa da inclusão do filme brasileiro de curta-metragem no circuito nacional de cinemas, acompanhando cada longa-metragem estrangeiro como reserva de mercado (Lei do Curta de 1970). (Direção: Sérgio Pio).
  • Espaço Marginal (1981) – O filme narra o fenômeno das pichações de parede na cidade de Teresina, observado no final da década de 1970 e início da década de 1980. A narrativa segue o olhar de espanto de um cidadão comum – por onde ele passa, as pichações o perseguem como fantasma. (Direção: Luís Carlos Sales).
  • Hahnemann Bacelar (1965) – Um Pintor Amazonense (1965) – Documentário produzido em Manaus no ano de 1965, rodado em 8mm e sonorizado de forma precária para os recursos amadores disponíveis na época. O filme nasceu em Manaus (AM) com a marca de fogo dos que têm que dedicar sua vida a uma obra com o fatalismo de quem crê no destino. (Direção: Roberto Kahane).
  • Malandro, Termo Civilizado ou Malandrando (1987 – 2018) – Um filme poesia, um documento ficcional-musical, e direção aos recônditos da alma carioca e nacional. Um malandro coringa-cupido, de uma história de amor infinito, o amor que gerou o samba. (direção: Sylvio Lanna).
  • Milagre de Lourdes (1965) – O padre, que pode ser vigarista, vende bilhetes de rifa num conjunto residencial de Belo Horizonte. Ameaçado por um estranho, ele foge, mas um grupo de populares parte logo em seu encalço. Já sem o traje religioso, esconde-se na primeira casa que encontra, onde surpreende duas mulheres seminuas. (Direção: Carlos Prates Correia).
  • O Pagode de Amarante (1984) – Filme realizado em Super-8 em 1984. As filmagens ocorreram em um bairro da cidade de Amarante (PI), situado no alto de um morro, na residência do senhor João Bitu, com participações de “Raimunda Pau Pombo”, “Nazaré Cambão”, Ely Sibita, “Tio Zuza”, “Joaquinzinho”, “Chica do Boné”, entre outros pagodeiros. (Direção: Dácia Ibiapina).
  • Recordações de um Presídio de Meninos (1980-2009) – Reflexão poética de um jornalista sobre a violência, a arte, a política e os sentimentos, desencadeada a partir de uma reportagem sobre o fim de um presídio de meninos em Goiânia. (Direção: Lourival Belém Jr.).
  • Ritos de Passagem (1980) – Documentário que mostra a vida de transformistas e travestis na época da ditadura militar. (Direção: Sandra Werneck).
  • Vestibular 70 (1970) – Uma reflexão sobre os exames vestibulares, sublinhando os aspectos da tensão durante a sua realização. Seis mil estudantes aparecem nas dependências do Instituto Central de Ciências da Universidade de Brasília disputando as mil vagas disponíveis, enquanto os alto-falantes cadenciam o ritmo das provas com seus avisos. (Direção: Vladimir Carvalho e Fernando Duarte).
  • Vitrines (1980) – Uma viagem dentro do olho humano, levando ao imprevisível o que Júlio Bressane opera em Crazy Love, justamente “uma operação de catarata no olho da linguagem do cinema”. O vidro, simbólico limite ao mesmo tempo visível e invisível, assinala a divisão proposta pela sociedade consumista.

Foto: Nereu Jr/Universo Produção

[VEJA A COBERTURA COMPLETA DO CINEOP 2019]

1 thought on “CineOP: Mostra Histórica traz reflexos das condições de produção na trajetória do cinema independente e possíveis caminhos para a atualidade

  1. Fico muito agradecido com o Convite para a minha participação na CineOP 2019 como Cineasta convidado com meus Filmes: ALUMINOSA ESPERA DO APOCALIPSE e VITRINES.
    Achei o Evento CineOp 2019 importantíssimo para a continuidade da minha carreira com Cineasta graças aos excelentes contatos, troca de idéias e a impecável organização durante todo o CineOp 2019 nas Mostras, Debates, Hospedagem, quero deixar aqui a minha grande gratidão a todos que participaram da excelente organização e parabeniza-los por tudo de bom que foram esses dias do CineOP 2019!
    Abs. Rui Vezzaro

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