Criatividade, Economia e Política: espaço na Mostra de SP debate ideias e criação no audiovisual

A 42ª Mostra Internacional de São Paulo novamente tomou conta da capital com uma programação especial que movimentou os apaixonados pela sétima arte. A diferença, é que dessa vez o encontro contou com a o II Fórum Mostra e o Mercado de Ideais Audiovisuais, espaços para motivar o debate de questões pertinentes à produção audiovisual.

O II Fórum contou com três dias de intensa programação (24, 25 e 26/10) e é uma realização em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura de SP, a Spcine, o Cinema do Brasil e o Itaú Cultural. O primeiro dia abordou o lado criativo, trazendo questionamentos como: de onde nascem as ideias e que caminho elas percorrem até se tornarem uma obra cinematográfica. Já no segundo dia, com números sobre o market share das produções nacionais nas bilheterias (9,6% em 2017), profissionais compartilharam suas experiências no financiamento, na coprodução e distribuição. Por fim, os debates colocaram em pauta a regulação do streaming e o futuro da cultura no país.

 

[Além dos destalhes do encontro, que você confere abaixo. Veja também:
Entrevista com Mauricio Ramos, diretor-presidente da Spcine
Entrevista com Bárbara Sturm, da Elo Company
Balanço Mercado de Ideias Audiovisuais]

 

A inspiração: linguagens e relações com a literatura

A produção audiovisual está cada vez mais diminuindo as distâncias entre os formatos e promovendo uma Mescla entre linguagens, seja entre som e animação ou com a inclusão de novas tecnologias como o XR, VR e AR. E muitos profissionais têm visto isso como um fator agregador e não de concorrência.

“O audiovisual tem linguagens que conversam e convergem na produção de conteúdo e que ganham espaço em diferentes plataformas. A ideia com esses debates é aproximar setores e artistas do setor cultural para fazer propostas inovadoras e estabelecer uma conversa entre essas linguagens”, comentou Ana Letícia Fialho, gerente executiva do Cinema do Brasil, ao abrir o primeiro painel.

Nicolas Champeaux citou como exemplo o processo de criação de O Estado contra Mandela e os Outros, que une arquivos de áudio para dar vida a animações. No documentário o espectador é convidado por meio de arquivos de áudio a revisitar o Julgamento de Rivonia, entre 1963 e 1964, em que além de Mandela, foram julgados outros oito homens e a animação completa a experiência cinematográfica. “Os desafios fazem você ter ideias criativas”, disse.

Já Priscila Guedes, fundadora da Anableps XR comentou os projetos inovadores que tem transformado o espectador em experimentador com as tecnologias imersivas. “São poucas pessoas falando em cinema XR e estamos agora montando estratégias para criar e fortalecer esse mercado. A tecnologia de imersão está aí para devolver as pessoas o que a tecnologia tirou. Há projetos que podem humanizar”, acrescentou. Para ela, o mercado XR é de agregação e não concorrência. É um conteúdo que muda a fisiologia das pessoas e é preciso tempo de amadurecimento em desenvolvimento tecnológico e artístico, com todos os envolvidos aprendendo juntos.

E, de onde brotam as ideias? Afinal, qual a relação entre a escrita e o cinema? Jorge Furtado, premiado diretor e roteirista comentou no segundo painel que “a decisão de filmar um livro é como desenhar uma música, é totalmente subjetivo e cada um imagina a história e os personagens como quiser”.

O cineasta Roberto Gervitz acrescentou: “Não existe adaptação fiel, as melhores adaptações não são fieis, porque a literatura é uma linguagem muito diferente do filme. O longa e o livro têm vidas independentes, o filme é uma interpretação possível do livro, mas não é a única”.

Um exemplo prático dessa relação entre a palavra e a imagem é a experiência que a escrita de Dráuzio Varella produziu para o audiovisual: filme, série, longa-metragem e até fonte para curta. Trabalhando como voluntário na casa de Detenção do Carandiru, o médico colheu histórias, que há 20 anos ocupam o imaginário coletivo nacional. Seu best-seller Estação Carandiru, de 1999, virou longa e minissérie; Carcereiros (2012) gerou série e já tem filme previsto para 2019. Dráuzio recebeu o prêmio Humanidade durante a Mostra, antes da exibição da cópia restaurada de Pixote – A Lei do Mais Fraco e do curta de Bárbara Paz, Conversa com Ele.

“O cinema sempre teve esse papel de espelho da sociedade. E tem essa função não só em ficção, mas quando a gente trata a crueza de um lado da sociedade que ela não está enxergando. É mostrar o que ela não está vendo ou porque está distante ou porque realmente não está vendo”, adicionou Caio Gulllane, da Gullane Entretenimento.

 

A existência: financiamento, coproduções e janelas

Em um dos momentos de maior incerteza quanto ao apoio e fomento à produção audiovisual, representantes da indústria discutiram sobre o FSA (Fundo Setorial do Audiovisual), importante mecanismo de apoio, e se posicionaram sobre o instrumento, como melhorar e como não o perder.

“Temos que argumentar com o máximo de clareza e embasamento técnico. Em um momento de mudança, é preciso comprovar a importância que o setor tem, o quanto representa em inovação, o quanto emprega, o quanto é diverso e o quanto exporta”, comentou o diretor-presidente da ANCINE, Christian de Castro, que também contextualizou o histórico do fundo, sua importância, os resultados alcançados e um estudo que está em desenvolvimento e vai trazer números concretos sobre a atividade do FSA nos últimos anos e deve ser lançado em novembro.

O produtor Max Eluard, responsável por sete longas e mais de 15 curtas, acrescentou ainda sobre a falta de espaço que ainda sofrem as pequenas produtoras. “É preciso desburocratizar os prazos e conseguir abrir espaço dentro dessas políticas para as pequenas produtoras, que querem continuar pequenas. Não necessariamente os sucessos de bilheteria são os que marcam a cinematografia, mas as obras de qualidade artística são as que ganham os festivais e o mercado internacional”. Para ele, todo filme tem seu público e o desafio está em encontrá-lo.

Outro caminho para viabilização das produções seriam as coproduções. Tatiana Leite, produtora de Benzinho e Catherine Dussart, comentaram suas experiências nesse sentido. Para elas, participar de projetos entre países diferentes é um processo de intercambio importante para troca entre diferentes culturas e gerações que enriquece o repertório e o universo do diretor, apesar das dificuldades como as barreiras entre os idiomas. Elas citaram as parcerias já disponíveis nesse segmento presentes em grandes festivais como Cannes, Berlim e o Ventana Sur. A base para conquistar esses programas são bons projetos que dialoguem internacionalmente e tenham qualidade cinematográfica.

Passado o desafio da produção, o mercado se depara com outra dificuldade: a distribuição com a convivência do VOD, tema este que também incorporou a programação do Fórum. Representantes da exibição (Adhemar Oliveira, Espaço Itaú), distribuição (Rodrigo Saturnino, Sony) e das plataformas da Spcine e da Looke debateram o assunto. Visto como aliado para difusão das produções, o VOD só não pode canibalizar a exibição. Todos os debatedores comentaram que cada segmento não está contente e tem enfrentado percalços e que é preciso repensar os modelos de negócios para que todos saiam satisfeitos.

 

E o futuro? Projetos, regulação e sustentabilidade

O último dia de palestras iniciou com um workshop para jovens cineastas, estudantes e interessados em conhecer melhor o mercado em uma conversa aberta com representantes de três elos da cadeia: produção (Rodrigo Teixeira, RT Features); distribuição (Bárbara Sturm, Elo Company) e exibição (Henry Galsky, Canal Cine).

Eles reforçaram o quanto é difícil trabalhar com audiovisual, principalmente porque a maioria dos profissionais tem que ter uma segunda atividade para rentabilizar seus projetos. Comentaram também que é importante conhecer bem o canal para o qual se pretende enviar o projeto e pleitear espaço, entender a legislação vigente, a lógica do mercado e participar de laboratórios, rodadas de negócios e festivais internacionais.

Os produtos brasileiros estão cada vez com mais qualidade e tem recebido muita admiração fora do país, mas não aqui, então é fundamental que cada um desempenhe seu papel em também disseminar o cinema brasileiro, se não, não vai haver público para consumir e não haverá interesse em adquirir produtos e logo não fomentará o mercado e a continuidade de seus profissionais.

“O audiovisual é objeto de paixão, então não desistam, é muito difícil, cada um tem a sua realidade, mas existe uma possibilidade de se capacitar e entrar em outras indústrias. É um mercado ainda incipiente, tem muito pra crescer e que vocês sejam o futuro dessa indústria”, finalizou Rodrigo.

Outro assunto que teve espaço no II Fórum é a batalha pela regulação do streaming.

Magno Maranhão, assessor do diretor-presidente da ANCINE, comentou que hoje o que se chegou foi um consenso feito por membros que representam setores do mercado e que estamos no caminho certo para regular e passar credibilidade ao mercado.

Paulo Schimidt também reforçou que é importante continuar o diálogo entre o mercado e manter esse debate em aberto. Concorda com ele Oscar Simões, da ABTA (Associação Brasileira de Televisão por Assinatura) que disse que esse caminho é complexo e as intervenções devem ser feitas para melhorar o sistema. E a expectativa é que esse dialogo continue.

Com um novo presidente eleito e com incertezas no cenário quanto a manutenção dos dispositivos que minimamente garantiram sustentabilidade no mercado, profissionais discutiram a democratização do acesso à cultura, a diversificação na programação e a necessidade de uma política cada vez mais sustentável para garantir a continuidade dos instrumentos que possibilitem acesso à cultura no país.

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